terça-feira, 26 de abril de 2011

AÇÃO DA PRECE - Transmissão do pensamento

Extraído da obra O Evangelho Segundo o Espiritismo - de Allan Kardec

A prece é uma invocação, mediante a qual o homem entra, pelo pensamento, em comunicação com o ser a quem se dirige. Pode ter por objeto um pedido, um agradecimento, ou uma glorificação. Podemos orar por nós mesmos ou por outrem, pelos vivos ou pelos mortos. As preces feitas a Deus escutam-nas os Espíritos incumbidos da execução de suas vontades; as que se dirigem aos bons Espíritos são reportadas a Deus. Quando alguém ora a outros seres que não a Deus, fá-lo recorrendo a intermediários, a intercessores, porquanto nada sucede sem a vontade de Deus.

O Espiritismo torna compreensível a ação da prece, explicando o modo de transmissão do pensamento, quer no caso em que o ser a quem oramos acuda ao nosso apelo, quer no em que apenas lhe chegue o nosso pensamento. Para apreendermos o que ocorre em tal circunstância, precisamos conceber mergulhados no fluido universal, que ocupa o espaço, todos os seres, encarnados e desencarnados, tal qual nos achamos, neste mundo, dentro da atmosfera. Esse fluido recebe da vontade uma impulsão; ele é o veículo do pensamento, como o ar o é do som, com a diferença de que as vibrações do ar são circunscritas, ao passo que as do fluido universal se estendem ao infinito. Dirigido, pois, o pensamento para um ser qualquer, na Terra ou no espaço, de encarnado para desencarnado, ou vice-versa, uma corrente fluídica se estabelece entre um e outro, transmitindo de um ao outro o pensamento, como o ar transmite o som.

A energia da corrente guarda proporção com a do pensamento e da vontade. E assim que os Espíritos ouvem a prece que lhes é dirigida, qualquer que seja o lugar onde se encontrem; é assim que os Espíritos se comunicam entre si, que nos transmitem suas inspirações, que relações se estabelecem a distância entre encarnados.

Essa explicação vai, sobretudo, com vistas aos que não compreendem a utilidade da prece puramente mística. Não tem por fim materializar a prece, mas tornar-lhe inteligíveis os efeitos, mostrando que pode exercer ação direta e efetiva. Nem por isso deixa essa ação de estar subordinada à vontade de Deus, juiz supremo em todas as coisas, único apto a torná-la eficaz.

Pela prece, obtém o homem o concurso dos bons Espíritos que acorrem a sustentá-lo em suas boas resoluções e a inspirar-lhe idéias sãs. Ele adquire, desse modo, a força moral necessária a vencer as dificuldades e a volver ao caminho reto, se deste se afastou. Por esse meio, pode também desviar de si os males que atrairia pelas suas próprias faltas. Um homem, por exemplo, vê arruinada a sua saúde, em consequência de excessos a que se entregou, e arrasta, até o termo de seus dias, uma vida de sofrimento: terá ele o direito de queixar-se, se não obtiver a cura que deseja? Não, pois que houvera podido encontrar na prece a força de resistir às tentações.

Se em duas partes se dividirem os males da vida, uma constituída dos que o homem não pode evitar e a outra das tribulações de que ele se constituiu a causa primária, pela sua incúria ou por seus excessos (cap. V, n~ 4), ver-se-á que a segunda, em quantidade, excede de muito à primeira. Faz-se, portanto, evidente que o homem é o autor da maior parte das suas aflições, às quais se pouparia, se sempre obrasse com sabedoria e prudência.

Não menos certo é que todas essas misérias resultam das nossas infrações às leis de Deus e que, se as observássemos pontualmente, seríamos inteiramente ditosos. Se não ultrapassássemos o limite do necessário, na satisfação das nossas necessidades, não apanharíamos as enfermidades que resultam dos excessos, nem experimentaríamos as vicissitudes que as doenças acarretam. Se puséssemos freio à nossa ambição, não teríamos de temer a ruína; se não quiséssemos subir mais alto do que podemos, não teríamos de recear a queda; se fôssemos humildes, não sofreríamos as decepções do orgulho abatido; se praticássemos a lei de caridade, não seríamos maldizentes, nem invejosos, nem ciosos, e evitaríamos as disputas e dissensões; se mal a ninguém fizéssemos, não houvéramos de temer as vinganças, etc.

Admitamos que o homem nada possa com relação aos outros males; que toda prece lhe seja inútil para livrar-se deles; já não seria muito o ter a possibilidade de ficar isento de todos os que decorrem da sua maneira de proceder? Ora, aqui, facilmente se concebe a ação da prece, visto ter por efeito atrair a salutar inspiração dos Espíritos bons, granjear deles força para resistir aos maus pensamentos, cuja realização nos pode ser funesta. Nesse caso, o que eles fazem não é afastar de nós o mal, porém, sim, desviar-nos a nós do mau pensamento que nos pode causar dano; eles em nada obstam ao cumprimento dos decretos de Deus, nem suspendem o curso das leis da Natureza; apenas evitam que as infrinjamos, dirigindo o nosso livre-arbítrio. Agem, contudo, à nossa revelia, de maneira imperceptível, para nos não subjugar a vontade. O homem se acha então na posição de um que solicita bons conselhos e os põe em prática, mas conservando a liberdade de segui-los, ou não. Quer Deus que seja assim, para que aquele tenha a responsabilidade dos seus atos e o mérito da escolha entre o bem e o mal. E isso o que o homem pode estar sempre certo de receber, se o pedir com fervor, sendo, pois, a isso que se podem sobretudo aplicar estas palavras: "Pedi e obtereis."

Mesmo com sua eficácia reduzida a essas proporções, já não traria a prece resultados imensos? Ao Espiritismo fora reservado provar-nos a sua ação, com o nos revelar as relações existentes entre o mundo corpóreo e o mundo espiritual. Os efeitos da prece, porém, não se limitam aos que vimos de apontar.

Recomendam-na todos os Espíritos. Renunciar alguém à prece é negar a bondade de Deus; é recusar, para si, a sua assistência e, para com os outros, abrir mão do bem que lhes pode fazer.

Acedendo ao pedido que se lhe faz, Deus muitas vezes objetiva recompensar a intenção, o devotamento e a fé daquele que ora. Daí decorre que a prece do homem de bem tem mais merecimento aos olhos de Deus e sempre mais eficácia, porquanto o homem vicioso e mau não pode orar com o fervor e a confiança que somente nascem do sentimento da verdadeira piedade. Do coração do egoísta, do daquele que apenas de lábios ora, unicamente saem palavras, nunca os ímpetos de caridade que dão à prece todo o seu poder. Tão claramente isso se compreende que, por um movimento instintivo, quem se quer recomendar às preces de outrem fá-lo de preferência às daqueles cujo proceder, sente-se, há de ser mais agradável a Deus, pois que são mais prontamente ouvidos.

Por exercer a prece uma como ação magnética, poder-se-ia supor que o seu efeito depende da força fluídica. Assim, entretanto, não é. Exercendo sobre os homens essa ação, os Espíritos, em sendo preciso, suprem a insuficiência daquele que ora, ou agindo diretamente em seu nome, ou dando-lhe momentaneamente uma força excepcional, quando o julgam digno dessa graça, ou que ela lhe pode ser proveitosa.

O homem que não se considere suficientemente bom para exercer salutar influencia, não deve por isso abster-se de orar a bem de outrem, com a idéia de que não é digno de ser escutado. A consciência da sua inferioridade constitui uma prova de humildade, grata sempre a Deus, que leva em conta a intenção caridosa que o anima. Seu fervor e sua confiança são um primeiro passo para a sua conversão ao bem, conversão que os Espíritos bons se sentem ditosos em incentivar. Repelida só o é a prece do orgulhoso que deposita fé no seu poder e nos seus merecimentos e acredita ser-lhe possível sobrepor-se à vontade do Eterno.

Está no pensamento o poder da prece, que por nada depende nem das palavras, nem do lugar, nem do momento em que seja feita. Pode-se, portanto, orar em toda parte e a qualquer hora, a sós ou em comum. A influência do lugar ou do tempo só se faz sentir nas circunstâncias que favoreçam o recolhimento. A prece em comum tem ação mais poderosa, quando todos os que oram se associam de coração a um mesmo pensamento e colimam o mesmo objetivo, porquanto é como se muitos clamassem juntos e em uníssono. Mas, que importa seja grande o número de pessoas reunidas para orar, se cada uma atua isoladamente e por conta própria?! Cem pessoas juntas podem orar como egoístas, enquanto duas ou três, ligadas por uma mesma aspiração, orarão quais verdadeiros irmãos em Deus, e mais força terá a prece que lhe dirijam do que a das cem outras. (Cap. XXVIII, nº 4 e nº 5.)

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