Amélia Rodrigues
Através de Divaldo Franco
A noite esplendente de círios
estrelares banhava-se de suave luar, que se refletia sobre as águas tranquilas
do mar espelho.
O dia havia sido caracterizado
por amena temperatura, enriquecido simultaneamente por incontáveis emoções.
Sucediam-se as experiências no
convívio com as massas humanas, incessantes, com suas aflições que recordavam
ondas contínuas espraiando-se nas areias imensas salpicadas de seixos e conchas
variadas.
O hinário da Boa Nova era cantado
na região por quase todas as bocas, mas, as interpretações variavam de acordo
com as necessidades de cada qual.
Tinha-se a impressão que os Céus
haviam descido à Terra e se fundiram umas nas outras as canções de amor e os
lamentos clamorosos, que logo após silenciaram suas vozes desesperadas.
Jesus constituía, sem dúvida, o
divisor das águas e daqueles dias turbulentos..
Os discípulos haviam acompanhado
o Mestre durante o aconselhamento à uma desesperada mãe, que Lhe buscara o
socorro, face à perda do filho amado que o anjo da morte arrebatara.
O desespero da suplicante logo se
transformara em tranquila e dúlcida alegria que lhe colocara luz brilhante nos
olhos antes amortecidos pela aflição.
Como a morte sempre era temida e
certamente detestada, utilizando-se da noite harmoniosa, na qual o Amigo
parecia aguardar as inquietações dos discípulos, sentado diante do mar ornado
da luz da lua, musicada pelos ventos suaves e pelo espreguiçar das vagas macias
nas areias úmidas, formou-se o grupo gentil, cujo silêncio foi quebrado pela voz
de João, o jovem que O amava com arrebatamento.
Havia uma doce magia no ar, que
bailava no velário das sombras salpicadas de pingentes de prata...
— Como entender a morte, Mestre
querido – indagou o discípulo ansioso – que sempre nos ameaça e apavora? Ante a
sua inexorável fatalidade, nossos dias perdem a cor e a beleza, quase
tirando-nos a razão de existir. Como entender a hedionda mensageira da sombra?
O nobre Guia desenhou tranquilo
sorriso na face banhada pelo argênteo luar, e respondeu com doçura:
A morte não é mensageira da
sombra, nem do pavor, mas a missionária da vida imperecível. É a incompreendida
intermediária entre Deus e os seres sencientes, encarregada de reconduzir os
homens ao verdadeiro lar, após terem encerrado os seus compromissos na escola
terrestre. Suavemente ou mediante ação abrupta, sem agressão nem receio,
convoca reis e vassalos, mendigos e poderosos, crianças e anciãos, sadios ou
enfermos ao despertar do sono fisiológico, fazendo-os volver ao país da
consciência desperta, ao Grande Lar.
Portadora de alta
responsabilidade, apresenta-se com a mesma nobreza a todos os seres,
desvestindo-os das pesadas roupagens da ilusão, para a vivência da realidade
inevitável. Sem o seu árduo trabalho a vida não teria qualquer sentido e o
corpo se decomporia durante a existência, que se alongaria sem limite com
tormentos inimagináveis... Para uns, todavia, é a misericórdia que chega em
momento máximo, para outros, trata-se da libertação do cativeiro. Alguns a
tomam como cruel inimiga, enquanto diversos a odeiam com rebeldia. Não
obstante, impávida, faz-se instrumento da Vida para a grandeza do ser
indestrutível.
— E o sofrimento, Senhor, que ela
impõe – voltou, à carga, o discípulo receoso -, não dilacera a alma daqueles
que ficam?! Morrer, afinal, dói?
O incomparável Benfeitor alongou
o olhar pela noite feliz, e após breve reflexão, elucidou:
— A Casa de meu Pai tem infinitas
moradas. Cada flor de luz que brilha ao longe é um pouso feliz que nos aguarda
após vencidas as batalhas terrenas. Para alcançá-lo é necessário descer aos
vales humanos nas roupas densas da matéria, a fim de tecer as delicadas asas de
luz que nos erguerão aos Seus planos quase divinos. Sem a morte compassiva e
misericordiosa, isso não seria possível. Passo a passo, o viajante vence as
distâncias no mundo físico. Da mesma forma, graças à morte-vida, à
vida-após-a-morte desaparecem os abismos que medeiam entre os sublimes lares
que voam na amplidão e a pequenina Terra onde nos encontramos.
Silenciando novamente por breves
segundos, com específica entonação de voz, prosseguiu:
— Morrer não dói. O
desprendimento é suave para os justos e inquietante para aqueles que são
portadores de consciência culpada. O trânsito que leva à liberdade entre o
cárcere e o horizonte largo, sem barreira, é sempre rico de expectativa e não
de sofrimento. A marcha, porém, de cada qual, é resultado da conduta vivenciada
no período do cativeiro. Quem considera o corpo como a única realidade, sofre
decepção e angústia, medo de o abandonar e apego à forma em decomposição,
fenômeno que se alonga por largo período, enquanto dure a alucinação. No
entanto, quem o utilizou como educandário de iluminação para o Espírito,
deixa-o, qual borboleta ditosa que abandona o casulo pesado para flutuar na
leve brisa do dia... A morte após o dever cumprido transforma-se em madrugada
iridescente, que é o pórtico da imortalidade ditosa, onde o amor inunda o
recém-liberto de alegria, sem dor nem saudade da caminhada terrestre.
É necessário viver de maneira que
a morte lhe signifique prosseguimento, sem qualquer interrupção, conduzindo o
ser no rumo da plenitude, da paz inefável.
Fez novo silêncio repassado de
emoção, que igualmente dominava os ouvintes, logo dando continuidade:
— Eu vim para que todos tenhais
vida em abundância no meu reino, que se amplia além das fronteiras da morte.
Sem ela, não o alcançareis. Superando os desafios e vencidas as paixões, o ser
se sutiliza e passa a habitar em mundo feliz, sem angústia ou ansiedade
alguma.... A fim de o conseguir, torna-se indispensável que o amor e o dever
diluam as sombras da ignorância que encarceram nas masmorras da carne o
desavisado, sem permitir-lhe os voos libertadores que anela realizar.
Quando se calou, os amigos tinham
lágrimas que não se atreviam a descer da comporta dos olhos. Saudades de seres
amados e gratidão pelo que lhes haviam oferecido, esperanças de vitórias
futuras sobre as pesadas algemas dos desejos, das falsas necessidades e sonhos
de felicidade, mesclavam-se nos seus sentimentos, e eles entenderam que o corpo
é meio, é veículo de condução, mas o Espírito é o imperecível instrumento do
Pai Criador, que nos aguarda nos penetrais do Infinito, e que a morte libera da
injunção penosa.
A noite harmônica e perfumada,
então dominada pelo lucilar dos astros e as ânsias da Natureza, insculpiu no
ádito daqueles corações a mensagem da imortalidade, enquanto o Mestre os
preparava para a madrugada resplandecente do futuro reino dos Céus.
Amélia Rodrigues
Psicografia de Divaldo
Pereira Franco, na sessão de 14 de março de 2001, no Centro Espírita Caminho da
Redenção, em Salvador, Bahia.
Publicada no Jornal Mundo
Espírita de julho de 2001.
Em 16.01.2012
Fonte: Divaldo Franco
http://www.divaldofranco.com.br/
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