Era uma vila de pescadores. Calma. O burburinho
acontecia na saída dos barcos, pela madrugada e no seu retorno, abarrotados de
peixes.
Os dias pareciam muito iguais, algo assim como
um amanhecer velho, se reprisando a cada vinte e quatro horas.
Novidades eram raras. Por isso, qualquer fato
inusitado era um acontecimento.
Como naquele dia em que um menino viu uma forma
estranha flutuando longe no mar. Com seus gritos, correram todos.
O que seria? Mãos protegendo os olhos do sol
que brilhava, de forma intensa, as pessoas ficaram olhando.
E esperando. A curiosidade foi aumentando e as
cogitações começaram a circular de boca a ouvido.
O mar, sem pressa, no seu ritmo constante,
finalmente, depositou na praia a forma estranha.
O desapontamento inicial foi geral: era um
homem... morto.
Não havia muito a se fazer a não ser enterrar o
cadáver.
Naquela vila, o costume era que as mulheres
preparassem os mortos para o sepultamento.
Assim, o morto foi carregado para uma das casas
e elas começaram a sua tarefa.
Primeiro, a limpeza, liberando o corpo das
mortalhas verdes do mar: algas e líquens.
Então, uma das mulheres falou: Quem seria ele?
De onde teria vindo? Como teria vivido? Teria família?
As observações prosseguiram: Se ele tivesse
vivido em nossa aldeia, precisaria curvar a cabeça para entrar em nossas casas.
É muito alto.
Enquanto davam continuidade ao trabalho, outra
mulher aventurou-se a cogitar:
Como terá sido a sua voz? Delicada como um
sussurro da brisa? Forte como as ondas do mar arrebentando-se contra as rochas?
O que ele terá dito durante a sua vida?
Conheceria palavras doces, ternas, daquelas que alegram o coração das gentes?
Terá pronunciado muitas palavras de amor para a
esposa, os filhos?
Todas sorriram e olharam umas para as outras.
Era estranho tentar descobrir a história da vida daquele homem, a partir do
corpo inerte.
Então, outra mulher aventurou-se a falar: Viram
as mãos dele? Como são grandes. Que será que fizeram?
Brincaram com crianças, navegaram pelos mares?
Construíram casas?
Estas mãos terão distribuído carícias à mulher
amada? Terão sabido aconchegar ao corpo uma criança indefesa? Que terão feito?
E, contemplando aqueles pés, grandes, para
sustentar um corpo tão alto, elas se perguntaram por onde teriam andado.
Quantos quilômetros teriam percorrido para
levar o sustento à família? Que terras teriam conhecido? Que lugares teriam
descoberto?
E, finalmente, elas se indagaram se alguém, em
algum lugar, estaria esperando ouvir as passadas firmes e largas anunciando a
chegada de retorno ao lar...
* * *
Todos vivemos na Terra por um tempo
determinado. Todos sabemos que nossa vida é finita, que pode acabar a qualquer
momento.
Por isso, enquanto tivermos um corpo para o
trabalho, para o estudo, para o amor, aproveitemo-lo.
E façamos o melhor de nossas horas.
Quando a alma se ausentar, retornando para o
mundo espiritual, que quem nos olhe possa admirar a máquina física e dizer que
nossa vida valeu a pena.
Que contribuímos para um mundo melhor. Que
fizemos a grande diferença para todos os que conviveram conosco.
Pensemos nisso e comecemos hoje essa nossa
proposta de vida.
Redação do Momento Espírita,
com base no cap. 3, pt. 1,
do livro Um céu numa flor
silvestre,
de Rubem Alves,
ed. VERUS.
Em 10.11.2017.
Fonte: Momento Espírita
www.momento.com.br
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