Dalmo Duque dos Santos
“Os fariseus e escribas tiraram a
chave do conhecimento e a ocultaram. Nem eles entraram nem permitiram entrar os
que querem entrar. Vós, porém, sede inteligentes como as serpentes e simples
como as pombas”. Tomé –39
O Evangelho até pode ser lido,
mas não pode ser compreendido pelo critério lógico-racional. A lógica é uma
conexão de sentidos exatos e invariáveis, que se aplica somente aos fenômenos
objetivos. Já a temática evangélica é essencialmente ilógica e poética, porque
está estruturada numa conexão inversa, de sentidos inexatos, variáveis, de
pessoa para pessoa, de ponto de vistas diversos, onde cada caso é um caso, de
diferentes percepções.
Quando aplicamos o modelo
lógico-racional na leitura evangélica ela geralmente se torna rude, ridícula,
vulgar e se afasta da essência espiritual que lhe caracteriza. O significado
oculto, no sentido pedagógico, torna-se obscuro e permanece contraditório aos
olhos comuns da inconsciência. Daí a reação irritante e a sensação de
impotência racional que nos ocorre quando experimentamos esse choque entre o
objetivo e o subjetivo. Tentamos respirar num ambiente onde as guelras do
pensamento deveriam ser substituídas pelos pulmões do sentimento. Peixes fora
d’água! É assim que nos comportamos quando intelectualizamos o Evangelho.
Restringir o Evangelho dentro dos modelos filosóficos sistemáticos, sobretudo
na lógica materialista aristotélica, é violentá-lo até mais completa asfixia
moral.
Essa é a causa principal da
enorme diferença do Evangelho das demais obras de filosofia existencial. Aos
nossos olhos racionais ela destoa de forma gritante exatamente porque, nas
outras, os problemas são medidos pela régua positiva, enquanto nas máximas do
Cristo tal tipo de mensuração não funciona, porque é inadequada. É o que se pode
chamar de conflito entre a leitura horizontal versus a leitura vertical. Na
primeira, até vemos uma “lógica”, mas logo ocorre a incompatibilidade de
conceitos e impressões; na segunda, lendo “em pé” e não “de quatro”,
conseguimos sintonizar pela superconsciência a dimensão psicológica das coisas.
Então, Jesus se nos apresenta como um holograma existencial, no qual temos que
verticalizar o nosso olhar para enxergar um pouco mais além dos limites da
razão. Talvez tenha sido isso que ocorreu com o apóstolo Tomé nesta cena
enigmática e impressionante, na qual compreendeu e ingressou definitivamente no
verdadeiro sentido do “Reino de Deus”.
“Disse Jesus aos discípulos:
Comparai-me e dizei-me com que vos pareço eu.
Respondeu Simão Pedro: Tu és
semelhante a um anjo justo.
Disse Mateus: Tu és semelhante a
um homem sábio e compreensivo.
Respondeu Tomé: Mestre, minha
boca é incapaz de dizer a quem tu és semelhante.
Replicou-lhe Jesus: Eu não sou
teu Mestre, porque tu bebeste da Fonte borbulhante que te ofereci e nela te
inebriaste.
Então Jesus levou Tomé à parte e
afastou-se com ele; e falou com ele três palavras. E quando Tomé voltou a ter
com seus companheiros, estes lhe perguntaram: Que foi que Jesus te disse? Tomé
lhes respondeu: Se eu vos dissesse uma só das palavras que ele me disse, vós
havíeis de apedrejar-me – e das pedras romperia fogo para vos incendiar.”
Mas a leitura vertical, além dos
limites da razão, se não significa a estagnação intelectiva dos conceitos
evangélicos, também nada tem a ver com a sua regressão aos graus de compreensão
e expressão abaixo do nível de consciência racionalizada, quase sempre
manifestada no imaginário místico exótico e confuso, exteriorizado nas práticas
ritualísticas. Também existem níveis de compreensão e expressão místicas cujas
curvas de sensibilidade se equilibram com a razão e assumem o sentido poético e
filosófico diferenciados dessas manifestações populares e pitorescas do
cristianismo romano e protestante. Os espiritualistas tradicionais, embora
ainda ligados às suas raízes religiosas mais remotas, cuja tônica principal é o
medo e o sentimento de culpa, já possuem condições, senão espirituais, mas
intelectuais de romper com esses conceitos ( na verdade preconceitos) ainda
materializados das idéias cristãs. Não precisam mais dos sacramentos, mas
também não precisam cair no ridículo de praticarem o culto à deusa Razão ou
casarem-se numa Igreja Positivista. Deveríamos, pelo menos, nos dedicar ao
exercício da reformulação íntima dessas formulações dogmáticas da relação
Homem-Deus para assumirmos uma religiosidade mais livre, um misticismo mais
introspectivo e harmônico com o mundo exterior. Dissemos exercício de
reformulação porque em termos de Evangelho não existe erro ou pessoas erradas;
existem, sim, diferentes graus de compreensão e expressão, cujas estruturas são
sempre dinâmicas e que mudam em sentido crescente, segundo as necessidades
pessoais de cada ser. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual esse texto
apócrifo*[1] de Tomé, ou atribuído a ele, não tenha entrado para o rol dos
textos “sagrados”. Isto porque , em nenhum momento, encontramos nele motivos e
pretextos para o ritual exterior, para o misticismo tolo, para o abuso de
poder, a hierarquia sacerdotal e muito menos para os privilégios institucionais
que marcariam a fundação das chamadas igrejas cristãs.
Dalmo Duque dos Santos é Mestre
em Comunicação, Bacharel em História e pedagogo. Publicou pela DPL os ensaios
"A Inteligência Espiritual" e "Você em Busca de Você
Mesmo". Está lançando pela mesma editora uma História do Espiritismo com o
título "O Demolidor de Dogmas - Allan Kardec e a Reconstrução da Fé no
Ocidente".
[1] Fonte : O Quinto Evangelho
São Tomé - 13 e 13-A, encontrado no Egito em 1945, traduzido em 1976 por
Humberto Rodhen a partir da versão francesa de Philip de Soares). Editora Matin
Claret.
Fonte: Portal do Espírito
----------------------
Sobre o autor:
Fonte: Portal do Espírito
----------------------
Sobre o autor:
Dalmo Duque dos Santos nasceu em 23 de agosto 1961, paulista
de Porto Tibiriçá (atual Presidente Epitácio). Iniciou seus estudos superiores
na Universidade Católica de Santos, em 1984, e bacharelou-se em História na PUC
de São Paulo, em 1990. Graduou-se também em Pedagogia, em 1993, na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Venceslau. Pós-graduou-se em 2002
como Mestre em Comunicação, pela Universidade Paulista- UNIP. É professor
universitário, trabalhou como educador e gestor em escolas particulares e
públicas; foi jornalista, editor e redator publicitário.
Na área literária criou e adaptou a coleção de bolso “Allan
Kardec Dia- a- Dia” – uma combinação de textos do Evangelho com o Livros dos
Espíritos e escreveu os ensaios “A Inteligência Espiritual” , sobre a revolução
pedagógica das Escolas de Aprendizes do Evangelho (inserido na introdução deste
livro) e “Você em Busca de Você Mesmo”, sobre a crise e as transformações do
ser humano neste início do 3º milênio. É também autor de uma nova história do
Espiritismo como o título de “ O Demolidor de Dogmas – Allan Kardec e a
Reconstrução da Fé no Ocidente”.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário