Mensagem de estímulo espiritual do médium Divaldo Pereira Franco
aos membros do Conselho Federativo Nacional, na tarde do dia 8 de novembro de 2008,
na Reunião Ordinária realizada na Federação Espírita Brasileira, em Brasília-DF.
Queridas irmãs, queridos irmãos:
nossos votos cordiais de muita
paz.
Estive meditando a respeito de um
tema para conversarmos no encerramento da pauta deste dia, conforme vimos
fazendo nos últimos anos, e lembrei-me da vida agitada que todos vivenciamos,
dos desafios que enfrentamos, da correria contra o relógio, das contrariedades
mal absorvidas, das angústias não exteriorizadas, e ocorreu-me a idéia de
reflexionarmos juntos em torno de um assunto de muita importância, qual seja a
iluminação interior.
Normalmente nós, os espíritas,
estamos empenhados em levar a mensagem a todos aqueles que se nos acercam,
tanto quanto àqueloutros que estão à distância, que seriam os gentios, conforme
eram designados nos dias de Jesus em Israel.
As atividades multiplicam-se, os
problemas surgem e não nos lembramos de atender às necessidades de nossa vida
interior. Jamais tivemos na Terra dias de tantas dificuldades emocionais, de
tantos tormentos espirituais quanto atualmente, isto porque estamos
atravessando a etapa da grande transição, que ainda não atingiu o seu clímax,
mas que nos está levando a situações penosas, conflitivas e angustiantes.
Necessitamos – penso – de fazer uma pausa para reflexionarmos em torno da nossa
própria situação perante a Consciência Cósmica, recordando-nos de uma indagação
que fez o confessor fráter Leone a São Francisco, quando ele estava capinando o
jardim à porta do monastério:
Se você soubesse, meu Pai, que
iria morrer hoje, o que faria?
Ele respondeu, suavemente:
Continuaria capinando o meu
jardim.
Essa reflexão tem me chegado à
mente todos os dias e, numa autoanálise, procuro observar como estaria, caso a
pergunta me houvesse sido feita, se continuaria tranquilamente fazendo aquilo
que estava realizando, e surpreendo-me ao constatar quanto ainda necessitaria
fazer, a fim de poder viajar em paz.
Assim pensando, anotei algumas
reflexões mentais, iniciando-as por uma história da autoria de Rabindranath
Tagore, o poeta indiano, Prêmio Nobel de Literatura, que deixou mais de mil
poemas, tido pelos que o leem como insuperável em razão da beleza com que
vestia as suas mensagens...
Narrarei a história de Tagore com
a minha própria emoção, o que não será certamente uma cópia fiel daquilo que
escreveu.
Tratava-se de um místico muito
famoso no sul da Índia, de nome Upagupta. Upagupta tornou-se uma verdadeira
lenda pelo ser que era e pela mensagem de que se fazia portador. Certo dia,
chegando a uma cidade muito populosa, em plena primavera, deteve-se, à porta de
entrada da muralha que a circundava, para melhor aspirar o perfume das flores
e, fascinado pela sombra generosa de um velho carvalho, optou por repousar
sobre a grama, e adormeceu. Estava, portanto, nesse estado de tranquilidade e
inconsciência, quando percebeu algo, e abriu os olhos. Teve uma visão quase
mirífica. Ali estava uma jovem de beleza ímpar, que lhe sorria de maneira
encantadora. Percebendo-o desperto, ela falou-lhe:
Desejo convidar-te para que
venhas à minha casa. Eu sou vendedora de perfumes... Favoreço o encanto das
ilusões aos meus convidados. Resido perto daqui, num quase palácio, onde recebo
meus hóspedes. Hoje é o dia em que celebro o meu aniversário, permitindo-me a
gentileza de escolher o parceiro para as minhas alegrias. Já recusei um
sacerdote, um guerreiro, e, no entanto, elejo-te a ti. Tu virás?
Upagupta olhou-a, deslumbrado, e
respondeu-lhe muito suavemente:
Gostaria tanto de ir!... mas hoje
eu não posso...
A jovem, que não estava
acostumada a recusas, recuou um pouco, e o interrogou:
Por que não? A todos que me
buscam as carícias, eu cobro por alguns momentos de prazer uma verdadeira
fortuna, enquanto que a ti não pedirei nada. Existe algo em ti que me fascina!
Eu não saberia explicar-te. Por essa razão, volto a inquirir-te: Virás?
Naquele momento ela se houvera
afastado um pouco, e Upagupta sentando-se, olhou-a, fascinado pela sua beleza
terrena, respondendo-lhe algo melancólico:
Infelizmente, hoje, eu não posso.
Nada obstante, eu atenderei ao teu convite na primeira oportunidade, quando
irei ter contigo.
Ela sorriu, canhestra, e lhe
respondeu:
Por que hoje não podes? Tu sabes
que nós, as mulheres que vendemos prazeres, somos como as mariposas, que são
devoradas pela chama em torno da qual voluteiam. Eu não tenho amanhã. Todas as
minhas emoções e expectativas de gozos e alegrias são deste momento. Vem!
Deixa-me dizer-te que descubro o fascínio que há em ti: são os teus olhos! Eles
irradiam suave claridade que me envolve, e por isso, digo-te: Eu te amo. Vem,
por favor. Nunca disse a homem algum que o amava. A todos eu vendi lascívia,
mas a ti eu não cobrarei nada, repito, porque te amo!
Upagupta baixou os olhos negros
e, ao abri-los, respondeu-lhe enternecido:
Mas hoje eu não posso. Um dia,
que não está longe, eu atenderei ao teu convite.
A jovem mulher levantou-se,
estremunhada, blasfemando, e desapareceu por detrás da porta imensa...
Dois anos depois, era outono,
quando Upagupta voltou àquela mesma cidade. Não mais havia as flores, nem o
carvalho venerando estava belo, mas quase despido. Aquela entrada, onde antes
medravam tantas flores miúdas e perfumadas, agora se transformara em depósito
de lixo da cidade... Animais em decomposição, monturo e dejetos, odores
pútridos, significando, talvez, o também outono da vida...
Ele recordou-se da vendedora de
ilusões, quando percebeu algo entre as latas de lixo. Atraído por movimentos
estranhos, observou um corpo deformado que se cobria de trapos e, sem delongas,
conseguiu alcançar-lhe com as mãos a cabeça que balançava sobre os ombros, exsudando
pus. Em contato com os dedos, os cabelos se liberaram. Ele abaixou-se, enquanto
tentava erguer o corpo ferido, e falou-lhe em tom coloquial:
Eis-me aqui! Eu venho agora
atender ao teu convite.
Aquele corpo ferido recuou,
tentando fugir, enquanto uma voz atribulada, estrugiu, indagando:
O que queres de mim? Se vieste
comprar perfumes, não os tenho mais para vender e, se vieste por compaixão, é
tarde, foge! Porque se eles, os meus perseguidores, souberem que estás comigo,
também te perseguirão de forma inclemente. Deixa-me morrer em paz!
Não posso! – respondeu o
missionário. Não há muito, me convidaste para o banquete na tua casa, e eu te
disse que iria depois...Eis-me aqui, pois que cheguei agora.
O ser infeliz recuou ainda mais,
a cabeça bamboleava sobre os ombros magros, que eram chagas vivas, o rosto
coberto por lepromas, os olhos como duas crateras transformadas em depósito de
pus, e todo o corpo ulcerado, era tudo o que restava da sofrida mulher.
Ouvindo-o, ela recordou-se e
indagou-lhe, atormentada:
Por que demoraste tanto? Eu te
esperei durante esses dois anos que passaram, e tu não vieste! Agora é tarde
para nós dois. Vê-me: estou em decomposição embora viva, não sirvo para nada.
Foge, eu te peço. Eu te agradeço, porque vieste, mas agora foge...
Havendo-se reclinado sobre ela,
estendeu-lhe os braços fortes e musculosos, ergueu-a até ao tórax e estreitou-a
num terno abraço.
Ela tremia, febril. Com uma das
mãos, ele limpou-lhe os olhos ulcerados, enquanto a sofredora tentava
escondê-los, e então retrucou-lhe:
Eu te houvera prometido que viria
depois. E aqui estou.
Infelizmente, chegaste tarde
demais. Desde aquele dia, eu que não tinha alegria de viver e fingia, depois
que te conheci perdi também a falsa postura de prazer. Nunca mais fui a mesma.
Toda noite eu colocava no peitoril da janela do meu quarto uma lâmpada acesa
para que clareasse o teu caminho na expectativa de que virias, e não chegaste
nunca. Agora...
Agora – interrompeu-a, generoso –
aqui estou. Vem comigo, deixa-me levar-te nos meus braços.
E erguendo-a entre os ventos
frios outonais, ele adentrou-se pela porta da cidade. Recordando-se da frase
que ela dissera, balbuciou-lhe ao ouvido:
Não estranhes o meu procedimento,
mas eu também te amo. Agora eu descubro nos teus olhos uma estranha claridade
que me induz a amar-te. Se o teu corpo não serve mais para nada, dorme, dá-me a
tua alma, e eu a encaminharei ao Soberano Senhor da Vida.
A mulher, tremendo e chorando,
repousou no ombro de Upagupta, e liberando-se do corpo em decomposição
iluminou-se.
A tradição a respeito da
iluminação interior praticamente se inicia com Sidartha Gautama. Depois das
longas peripécias, quando ele se sentou à sombra de uma árvore bodhi defronte
de um rio e mergulhou no mundo íntimo interior para meditar, iluminou-se. Dias
mais tarde, um jovem discípulo, vendo-o meditando, comoveu-se e ficou
contemplando-o .Quando ele abriu os olhos, o jovem indagou-lhe:
Mestre, tu és Deus?
Não, não sou.
Então, tu és um anjo?
Não, também não sou. Por que me
perguntas?
Porque brilhas, mestre! Por que
brilhas?
Porque estou desperto, consciente
da verdade. Todo aquele que encontra a verdade adquire brilho interior.
A iluminação faz parte dos
ensinamentos de Jesus, por exemplo, quando Ele propõe: Busca primeiro o Reino
de Deus e a Sua justiça, e tudo o mais te será acrescentado.
Buscar primeiro o Reino de Deus e
Sua justiça é o grande desafio que todos devemos enfrentar, qual aconteceu com
Paulo, que após fazê-lo e consegui-lo, declarou: Já não sou eu que vivo, mas o
Cristo que vive em mim.
A iluminação interior recebeu, ao
largo da História, inúmeras denominações como: Messias, Cristo, paz interna,
Paz de Deus que está além da compreensão, Consciência Cósmica, satori, samadhi
ou moksha, fana... Gurdjieff, o grande psicólogo russo, costumava dizer que era
uma autorrealização, a consciência objetiva, e Carl Gustav Jung denominou-a
como o estado numinoso, quando nos enriquecemos de luz.
O que é, porém, a iluminação
interior? Não se trata de um estado alterado de consciência, de
paranormalidade, nem de mediunidade, ou de outra qualquer faculdade
intelectiva. Trata-se de uma atividade de autoconscientização, é a revelação da
verdade do Ser (Deus, Ser Cósmico, Ente Supremo), também é a busca do
vir-a-ser... E, por isso mesmo, está ao alcance de todos os indivíduos, que não
devem postergar a sua conquista.
Dizia Lao-Tsé:
Quem conhece os outros é um
sábio, mas quem conhece a si mesmo é um iluminado.
Porque é muito fácil conhecer os
outros, mas, para se autoconhecer, é indispensável realizar essa iluminação,
que não passou desapercebida a Allan Kardec, conforme nos recordamos, e que se
encontra na questão 919 de O Livro dos Espíritos, quando ele interrogou aos benfeitores
da Humanidade:
Qual o meio prático mais eficaz
que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
Não se tratava de qualquer meio
prático, mas daquele mais eficaz. Como consequência, a resposta foi incisiva:
Um sábio da antiguidade já vo-lo
disse: “Conhece-te a ti mesmo.”
E Santo Agostinho, que deu a
resposta, comentou, numa bela página de filosofia ética, que podemos
sintetizar:
Fazei como eu. Toda vez quando
buscava o leito para o repouso, procurava revisar os meus atos daquele dia.
Quando me dava conta dos erros, de imediato, no dia seguinte procurava
reabilitar-me. E, quando estava certo, procurava seguir adiante...
Tratava-se de um exame de
consciência. E por que exame de consciência? Allan Kardec, igualmente, teve a
preocupação com essa consciência, ao interrogar as mesmas Entidades, conforme a
questão 621 da citada obra – Onde está escrita a lei de Deus? – E recebeu como
resposta: Na consciência.
É a segunda resposta mais
sintética da filosofia espírita. A primeira é a resposta à questão de número
625, quando ele perguntou: Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao
homem para lhe servir de guia e modelo? – Jesus – foi a resposta.
Desse modo, a iluminação interior
é uma conquista que não devemos postergar. Ainda mais, porque os outros veem em
nós o que não é habitual encontrar-se em outras pessoas...Pelo fato de sermos
espiritistas, buscando restaurar o Cristianismo em nossas vidas, apresentamos
um comportamento diferenciado daquele que caracteriza o cidadão convencional do
mundo, porque lutamos para superar as paixões ignóbeis, capitaneadas pelo
egoísmo, para a superação dos vícios, para a eliminação da sombra. É necessário
que enfrentemos a nossa sombra para poder dilui-la, que realizemos esse eixo
ego – self, para lograrmos, ainda, segundo Jung, a individuação, isto é,
tornarmo-nos ser integral e não um qualquer, como aqueles que estão no mundo
semeando os costumes infelizes, as perturbações... Havendo encontrado Jesus, já
pusemos a mão na charrua e não mais olhamos para trás.
Como será possível realizar essa
iluminação interior? Existem vários métodos. Ela pode vir suavemente, a pouco e
pouco, mediante o trabalho incessante do bem, através da oração, da meditação,
da reflexão profunda, ou através de insight. De um momento para outro ela
irrompe e domina o nosso íntimo.Eu tenho uma experiência muito curiosa e algo
ridícula... Quando eu era criança, nordestino, e cantava o hino à Bandeira
Nacional, porque era obrigatório nas escolas fundamentais, no trecho que diz a
verdura sem par destas matas, eu muito me comovia. Eu era apaixonado pelo
Brasil por causa da verdura sem par destas matas, porque verdura, no interior do
Estado da Bahia, onde eu nasci e vivia, era alface, couve, hortelã, pimentão
etc. Eu reflexionava: Deus meu, como é possível matas de repolho, coentro etc.?
Para mim, era demais. Então cantava com entusiasmo e orgulho, e, nesse momento,
o peito parecia estourar, porque eu nascera em um país de tal riqueza.
Passaram-se os anos, e mesmo adulto continuei com a falsa interpretação. Certo
dia, andando, subitamente tive uma iluminação: Meu Deus! Não é verdura, é
verdura, são as matas verdes... Ah, que decepção! A minha iluminação foi para
baixo. Então, podemos experienciar muitas vezes a iluminação, até mesmo em
torno dos nossos equívocos.
Esse insight é o despertar da
consciência, que nos proporciona a percepção do que somos, mas também do que
poderemos lograr, deixando um pouco de lado a indumentária fantasiosa da
humildade que, às vezes, não passa de um verniz aparente. Quantos indivíduos
que se interrogam e concluem: Quem sou eu? Eu não sou nada, eu sou um lixo!
Esse conceito pessimista e
depressivo nada tem a ver com humildade. Recordo-me de Jesus, o ser mais
humilde que esteve na Terra, e nunca se considerou lixo.
Após tal conclusão, descobri-me
como filho de Deus. E comecei a me sentir honrado em ser filho de Deus,
trabalhando para corresponder à gênese sublime.
Recentemente li um livro escrito
pelo Dr. Dean Hamer, um grande estudioso da genética do comportamento,. Que se
intitula O Gene de Deus.
Depois da decodificação do genoma
humano, ele constatou, com a sua equipe de pesquisadores nessa área, que o nosso
DNA possui cerca de trinta e cinco mil genes – quando se pensava que eram cem
mil – e um desses genes, ele definiu como sendo o gene de Deus: o VMAT2. O Dr.
Hamer, com a sua equipe, pesquisou mais de dez mil gêmeos idênticos e constatou
que gêmeos nascidos nas Filipinas – um sendo mandado para a Austrália, o outro
para a Nova Zelândia, ou outro lugar qualquer – acreditavam em Deus. As
experiências foram longas e eles constataram que crer em Deus é um fenômeno
genético. Ter uma religião é um fenômeno sociológico. Temos a religião dos
nossos pais, da família, do meio social, da educação. Jesus referiu-se a essa
questão de forma interrogativa: Não está escrito que vós sois deuses? Portanto,
podeis fazer tudo que eu faço e muito mais, se quiserdes. Então, é necessário
que desenvolvamos esse Deus interno. Também o Dr. Hamer diz que a nossa fé é
natural, é espontânea, sendo científica, mesmo quando fé natural. Aliás, Allan
Kardec estabeleceu que Fé inabalável só o é a que pode encarar frente e frente
a razão, em todas as épocas da Humanidade.
Reflexionemos: estamos neste
edifício, tranquilos e confiantes. Ninguém pediu a planta para ver se ele tinha
segurança. Sabemos todos que ele é seguro, sim, mas será? Essa é a fé natural,
mas é científica, porque, em nosso inconsciente, sabemos que esta construção,
quando foi projetada, engenheiros e arquitetos calcularam com cuidado as
estruturas, as colunas, os suporte, o teto, e depois mandaram à Prefeitura para
que o Departamento de Engenharia avaliasse o trabalho e o liberasse, conforme
ocorreu, sendo autorizada a sua construção, e depois, nova revisão foi feita
para ser concedido o habite-se. Então, no inconsciente sabemos desses trâmites
legais de segurança, dando origem à nossa fé natural. Quando entramos num avião,
não nos ocorre que o piloto esteja num surto depressivo e queira suicidar-se
naquele vôo. Em nosso inconsciente sabemos que os pilotos de aeronaves a cada
seis meses são submetidos a um rigoroso check-up, que lhes avalia o estado
geral de saúde. Igualmente sabemos que ele é acompanhado por um copiloto e o
avião possui um piloto automático. Mesmo que o comandante esteja em crise, ele
não poderá destruir o avião, porque o piloto automático seria travado pelo
copiloto que comandaria a aeronave.No caso em pauta, a nossa é também uma fé
científica. Mas, quando tomamos um táxi, principalmente no Rio de Janeiro, em
São Paulo, ou Salvador – ainda respeito Brasília, apesar dos seus acidentes –
nunca sabemos o que nos vai acontecer. Eu estava no Rio de Janeiro onde proferi
uma conferência no sábado à noite, e, às dez horas da manhã de domingo, eu
deveria proferir outra na Federação Espírita do Estado de São Paulo. Fui ao
aeroporto Santos Dumont, para alcançar o voo das seis através da ponte aérea:
são quarenta a quarenta e cinco minutos de voo. Quando lá cheguei, o irmão
tempo estava complicado, e o voo atrasou. Consegui viajar somente às oito, e
quando saltei em São Paulo eram quase nove horas. Corri, alcançando um táxi e
pedi ao condutor, após dar-lhe o endereço do Hotel em que ficaria:
Por favor, corra, porém, com toda
a prudência.
Tratava-se de um nissei que me
olhou, e indagou:
É para correr, ou para ir com
prudência?
Eu esclareci: Corra com
prudência.
Ele deu uma especial arrancada e
me jogou para trás. Saímos em alta velocidade. Adiante havia um semáforo
vermelho: ele o passou. Assustei-me. No segundo vermelho, ele também passou.
Fiquei mais assustado. No terceiro, um sinal verde, ele parou. Totalmente
surpreendido, eu indaguei-lhe:
Mas, o que é isso? Você passou
dois semáforos vermelhos e no verde você para!
Ele olhou para trás e
respondeu-me com a sua lógica:
Sei lá, se não vem um outro
japonês louco que nem eu do outro lado!?
Eu então saltei, porque a minha
fé nem era científica nem natural, e tomei outro carro, por garantia.
A fé, portanto, é esse
instrumento que nos vai levar à autoiluminação. Dois grandes especialistas, o
Dr. Abraham Maslow – que criou a Psicologia Humanista – e o Dr. Robert Cloninger,
um dos pais da Iluminação interior na atualidade, estabeleceram que podemos
consegui-la através de três etapas: a primeira etapa, dizem eles, é o
autoesquecimento, e contam a história sublime de um sacerdote italiano de nome
Mateo Ricci que foi pregar na China, nos tempos heróicos de divulgação do
Cristianismo, e esse homem deixou todas as comodidades da Itália, aprendeu os
ideogramas – cinquenta mil – e adaptou-se de tal forma à vida chinesa, que
deixou de ser o estrangeiro, para bem divulgar Jesus, logrando o autoabandono
para poder servir.
A segunda etapa é a busca do
transcendente, a identificação transpessoal. Não esquecermos nunca de que somos
transcendentais. E eles citam Albert Schweitzer, o maior músico do século
dezenove e parte do século vinte, que também renunciou a tudo para ir para a
África Equatorial Francesa, a fim de ajudar as treze etnias em Lambaréné,
explicando que nós, da chamada civilização branca, temos uma dívida para com a
África, de quatrocentos anos de servidão. Não apenas de escravidão, mas também
de sífilis, de gripe, que são doenças que os brancos lhes transmitiram.
E por fim, eles propõem o
misticismo, no sentido profundo da palavra, que é a plena integração com o
espírito do Cristo, tentando manter esse espírito do Cristo numa constância
contínua dentro de nós. Então, ocorre, passo a passo, a nova iluminação.
Narrarei uma experiência que tive
há três dias em São Paulo. Eu me encontrava em Porto Alegre e coloquei a
carteira de identidade num bolso, e passei o casaco para um amigo segurar,
esquecendo-me completamente. Quando cheguei ao aeroporto e fui apresentar a
documentação, lembrei-me de que deixara a carteira no casaco, que agora não
estava mais comigo. Raramente saio com a carteira, pois que quase nunca a uso,
mas naquele dia, em Porto Alegre, não sei porquê, pensei: levarei o documento,
para qualquer necessidade, razão porque a pus no bolso do casaco. Quando estava
no aeroporto, e dei-me conta, expliquei à funcionária que, por sua vez,
demonstrou-me a necessidade de um documento com fotografia, de que eu não
dispunha naquele momento. Felizmente, eu estava com um amigo da Polícia Federal
do aeroporto, ele assumiu a responsabilidade, e eu viajei. Chegando a São
Paulo, fui a Jaboticabal e a Bebedouro proferir palestras em duas instituições
que completavam, respectivamente, cem anos. Sem a documentação, fui à Delegacia
de Polícia de Bebedouro, fiz uma notificação, o delegado, muito gentil, deu-me
um BO (Boletim de Ocorrência), que eu não sabia o que era. Todo bonito, selado,
eu fiquei tranquilo. Quando cheguei ao aeroporto em São Paulo e fui proceder ao
check-in, a funcionária da TAM solicitou-me o documento de identificação, e
como não o tinha, entreguei-lhe o documento da Polícia, que ela informou não
servir. A ANAC, segundo ela, não o considerava suficiente. Ela o apresentou ao
Órgão, que confirmou a sua não validade. A pessoa da ANAC mandou chamar-me. A
funcionária, para variar, estava de muito mau humor. (Não sei porque alguns
funcionários públicos vivem com tanto mau humor. Poderiam largar o emprego e
outros de bom humor os substituiriam.) Ela me olhou com tanto mal-estar que eu
me senti intrigado. Eu me controlei, e esclareci:
Eu tenho que viajar. Eu estou com
uma pessoa na UTI, em Salvador, morrendo, e vou visitá-la. Sou cardíaco e tenho
oitenta e um anos.
Ela me olhou e, mal-humorada,
redarguiu:
O senhor tem que preencher estes
dois formulários. Depois deverá ir à Delegacia de Polícia aqui no aeroporto,
apresente-os e, depois de serem assinados, traga-mos de volta.
Preocupado, informei-a que iria
perder o voo. A moça continuou rude e deu-me uma resposta grosseira. Preenchi
os documentos e comecei a orar. Entreguei-lhos, ela fez cópias e mos entregou,
mandando-me autenticá-los na Delegacia de Polícia. Atendi-a, apressado. O
delegado assinou-os e informou-me que não eram realmente necessários, porque eu
poderia ter assinado qualquer nome e ele não teria como saber da sua
legitimidade. Colocou um carimbo e devolveu-mos. Voltei, e entreguei-os à
funcionária, que os olhou e me informou:
Ele esqueceu de assinar um outro.
Perguntei-lhe:
E tem mais um? Por que a senhora
não mo entregou?
Toda poderosa, ela concluiu:
Tem sim, o que eu lhe vou dar
agora.
Então ela tomou de uma outra
página, mandou-me preencher e que retornasse à Delegacia. Eu voltei correndo,
agora já sem fôlego.
O que foi agora? – perguntou-me o
delegado, ao que respondi:
Ela mandou o senhor assinar de
novo.
O homem ficou colérico. Procurei
acalmá-lo e ele aquiesceu. Quando retornei, e entreguei-lhe, ela pos um carimbo
e determinou-me:
Agora vá ao check-in e mostre
tudo isso.
Eu prendi a respiração,
Agradeci-lhe e obtemperei:
Minha filha, eu podia ser seu
avô, por isso permito-me dar-lhe um conselho: Você ganha para servir - e senti
por ela uma onda de compaixão.
Trate melhor as pessoas. Cada
pessoa que sai daqui, com esse seu tratamento, sai vibrando contra você. Você
deve ser muito infeliz, ter muitos problemas e recebe essas descargas de ódio
sem necessidade. Eu lhe digo isso, porque eu sou acostumado a aconselhar
pessoas.
E você é quem? – interrogou-me,
desafiadora.
Respondi-lhe com bondade –
naquela hora já não me importava perder o voo – Eu sou espírita, sou Divaldo
Franco.
Não me diga! – exclamou. Eu
também sou espírita!
Concluí, dizendo-lhe:
Notei, sim, que você é
espírita... (Risos).
Seu Divaldo – solicitou-me – eu
posso abraçá-lo? O senhor me desculpe, mas eu estou muito contrariada – e
começou a justificar a má vontade e grosseria.
Ouvi-a, compadecido, e saí
reflexionando sobre o que seria a Doutrina Espírita para ela, além de um
rótulo, de um adorno. Ela deve ter uma vida muito difícil. Deve morar em
subúrbio, pegar várias conduções e vive estressada.
Em face de acontecimentos dessa
natureza, ocorreu-me a abordagem, mesmo que ligeiramente, sobre a iluminação
interior, a nossa melhora íntima. Não importa que os outros saibam, mas que
estejamos serenos, felizes.
Concluirei, narrando uma história
que li na Internet e me sensibilizou muito. Tratava-se de um grupo de amigos de
uma indústria metalúrgica (também irei contar à minha maneira, sem a fidelidade
absoluta ao texto). Um deles apresentava-se como sendo um homem austero,
introvertido. Parecia encontrar-se sempre de mau humor, embora fosse gentil.
Trabalhava ali há cinco anos com os outros diretores e, nesse período, nunca
proferira cinquenta palavras... À hora do lanche, quando todos se reuniam, ele
se afastava, permanecendo a sós. Um deles, Mauro, muito brincalhão, zombava do
colega provocando humor. Ele se chamava Ernani, e o Mauro fazia-lhe piadas,
provocando o riso em todos.
Mauro era, aliás, o palhaço da
corte, no bom sentido. Certo dia, na época da desova dos salmões, Mauro
anunciou:
Eu irei pescar neste fim de
semana e, se conseguir êxito, na segunda-feira, trarei boa parte para os
amigos. Ao grupo, em particular, esclareceu que iria pregar uma peça no Ernani,
colocando para ele as vísceras, as cabeças dos peixes e os rabos para, quando
abrisse o embrulho, todos caírem na gargalhada. Na segunda-feira, quando
retornou ao trabalho, Mauro trouxe oito embrulhos, o de Ernani era um pouco
maior. Pediu a todos que fizessem um semicírculo, convidou Ernani, que veio,
assentou-se, e ele foi entregando os presentes, elegendo o maior para aquele
amigo. Surpreso, Ernani olhou o volume a manteve-se silencioso. Cada qual foi
abrindo o seu pacote e, à medida que o fazia, sorria e agradecia. Eram filés de
salmão. Ernani começou a desatar o seu embrulho e todos notaram que o homem
estava emocionado. O pomo de Adão movia-se e os olhos tinham lágrimas. Ele
prendeu a respiração e esclareceu:
Eu sei que vocês me têm em
péssima consideração. E eu faço jus a isso. Quando, por exemplo, eu vou lanchar
distante de vocês não é pelo motivo que pensam...Mas... [ele não conseguia
falar o eu queria] o que eu quero dizer, é que tenho um grande problema: a
minha mulher é tetraplégica, temos cinco filhinhos [e começou a chorar]. Tudo
quanto eu ganho é para atender a minha mulher a quem muito amo. Eu tenho
auxiliares vinte e quatro horas por dia para dela cuidar. Quando eu chego, à
noite, é para dar-lhe um pouco de carinho. Tenho que cozinhar para os meus
filhos. Deixo-os durante o dia, trancada a porta, e com a alimentação – eles
não frequentam a escola porque não posso pagar. Às vezes, eu me afasto durante
o lanche; é porque o meu é vergonhoso, eu trago os restos dos alimentos de casa
e não gostaria que ninguém os visse...
Os colegas tiveram um impacto.
Ele agora foi desatando o volume, e Mauro quis levantar-se para impedi-lo de
prosseguir, mas era tarde. O embrulho apresentou o seu conteúdo, mas ele não
olhou, e concluiu:
Hoje, por fim, meus filhos irão
comer salmão. Faz muitos anos – cinco anos - que eles não têm alimentação
digna. Mas hoje eles irão comer bem.
Só então ele olhou o pacote
aberto, teve um choque, pegou uma cauda de peixe, ergueu-a no ar, e disse como
todos o fizeram:
Muito obrigado!
Mauro olhou para os colegas.
Aquele homem estava crucificado! Como é que eles não viram!? Teve uma
iluminação. Levantou-se, pegou o próprio pacote e colocou-o no colo dele. Os
outros levantaram-se. Cada qual colocou o seu pacote sobre as suas pernas, todos
tocaram-lhe no ombro, e disseram-lhe:
Desculpe-nos!
Ele não disse nada. Na noite
seguinte os sete amigos foram visitá-lo e ali, diante da esposa com escaras,
eles assumiram o compromisso de cuidar da família. Recomendaram médicos mais
eficientes, enfermeiros mais hábeis, contrataram uma auxiliar de cozinha, uma
empregada para cuidar da casa, colocaram as cinco crianças na escola, e
responsabilizaram-se pelas despesas. Um mês depois a enferma desencarnou
sorrindo...
Já se passaram trinta anos.
Ernani Filho, que era o último filho, agora é o presidente da empresa. Todos
aposentaram-se. E, quando terminaram a educação dos filhos do amigo,
perguntaram-se: E agora? Façamos uma ONG para atender às pessoas tetraplégicas,
principalmente os seus filhos, que não têm a oportunidade de receber uma
correta educação.
A iluminação interior acontece a
qualquer hora, a qualquer instante. O venerável Chico Xavier, o apóstolo da
mediunidade, dizia:
Eu não sou nada, eu sou apenas um
cisco [por causa do nome Fran...cisco, tira o Fran, fica cisco]. Mas eu sou o
secretário dos Espíritos que por mim escrevem.
E autoiluminou-se. Esbofeteado,
não reagiu. Perseguido, sorriu com lágrimas. E quando alguém escarrou-lhe na
face, depois que lhe lera mensagem de um familiar, o destinatário reagiu,
ultrajado, gritando:
Mentira!
Rasgou-a, jogou-lhe os pedaços na
cara e cuspiu-o . Todos ficaram petrificados, enquanto o homem saiu possesso.
Chico ficou muito pálido, limpou o rosto e tentou continuar sorrindo. No dia
seguinte, sábado, como eu houvera presenciado a cena, à véspera, perguntei-lhe:
E então Chico, o que aconteceu?
Calmamente, ele respondeu:
Ah! Meu filho, quando eu cheguei
em casa, às duas da madrugada, Emmanuel estava à porta e, vendo-me muito
triste, perguntou-me o que acontecera. Eu expliquei-lhe, e ele me confortou da
seguinte maneira: “Quero dizer-te que, da próxima vez que alguém cuspir na tua
face, olha para cima e dize: eu creio que está chovendo!”
Era, portanto, um iluminado,
porque bater na face de alguém que não reage, escarnecer de quem não se pode
defender, são atos de suprema covardia e que bem poucos suportam, mantendo a
coragem de agir mediante o perdão e a misericórdia para com o agressor.
Que nós, os espíritas, possamos
adquirir essa luminosidade interior, desculpar sempre, entender, nem digo
perdoar, entender o mal e os maus que nos perseguem, a fim de que os outros,
quando nos vejam, possam perguntar: Por que você é diferente? Por que você está
nesse estado luminoso?
E nós, sorrindo, respondamos:
Porque estamos conscientes da
verdade, apenas isto.
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