domingo, 3 de agosto de 2014

Divaldo Franco: DOIS MONTES, DOIS DESTINOS


Por volta do ano 100 a.C., Alexandre Janneus elegeu um dos grandes montes ao sul de Ein Gedi para edificar a fortaleza de Massada, nome derivado desse imenso planalto na cordilheira da Judeia.

Árida toda a região, da sua altura se contempla o mar Morto, onde somente algumas raras figueiras medravam, num clina hostil e ardente, cujas chuvas só poucas vezes amenizavam o tormento das pedras calcárias que os ventos e as poucas torrentes cavavam, produzindo abismos.

O deserto da Judeia fora o lugar escolhido pelo Excelso Filho de Deus para a meditação. Após o batismo em Beth Abara, conforme os hábitos de então – recorde-se que João Batista ali também vivera grande parte da existência.

Era o lugar ideal para a solidão, para o encontro com Deus, quando renovavam as forças para o ministério divino junto às criaturas humanas.

O deserto da Judeia, de alguma forma, pode ser comparado a muitos sentimentos humanos, nos quais não brotam as delicadas expressões da gentileza nem do amor, da compaixão nem da solidariedade.

Na solidão do deserto são inevitáveis a morte ou a comunhão com a Divindade.

Naquele lugar de dificílimo acesso, Herodes construiu, durante o seu reinado, mais um dos seus luxuosos palácios, sempre pensando onde se refugiar, caso fosse vítima de uma rebelião ou de um movimento para tomar-lhe o trono e a vida.

Após a queda de Jerusalém, algumas centenas de pessoas fugiram da veneranda cidade e buscaram abrigo em Massada, habitada por sicários – homens que se utilizavam de um punhal curvo para matar os inimigos -, samaritanos, essênios e galileus.

Por volta do ano 73 ou 74 a.C. a décima legião romana, comandada por Flavius Silva e constituída por oito mil soldados, sitiou Massada.

Foram construídos oito acampamentos em pontos estratégicos, erguido um muro circular e preenchido o abismo que separava a montanha do restante do planalto com pedras e terras, para facilitar o acesso à fortaleza. Depois de vários meses de sítio impiedoso, conseguiram mediante lutas cruéis derrubar a forte muralha, incendiar o segundo muro de madeira e encerrar o capítulo que diz respeito à destruição de Israel, submetendo totalmente a Judeia a Roma...

O último bastião era aquele, e fora vencido de maneira perversa, avassaladora.

Não houve, porém, combate, porque Elazar bem Yair, o chefe dos rebeldes, que totalizavam novecentas e sessenta pessoas, entre crianças, mulheres e homens, proferiu dois discursos, num dos quais sugeriu aos sobreviventes que matassem a todos, após um sorteio de quem se encarregaria de o fazer, até o último, o que ficaria, cometesse o suicídio, a fim de não se renderem aos romanos, mediante uma proclamação comovedora.

Entre as muitas palavras de grande significado e reflexão, disse: Somente a Deus nos rendemos. Só Ele governa os homens com a justiça e a verdade...

Os detalhes da autodestruição foram especificados, inclusive deixando os celeiros abastecidos e os depósitos de água cheios, a fim de demonstrar ao inimigo que eles não foram  vítimas nem da fome nem da sede.

Sobreviveram à tragédia duas mulheres e cinco crianças, que se esconderam em uma fenda, e mais tarde narraram o acontecimento pavoroso.

Era, então, a noite de 15 de março, primeiro dia de Pesaj....1

Massada passou à História como o triunfo, a vitória da liberdade sobre a escravidão, pela prática generalizada de crimes de homicídio e suicídio...

*   *   *
Na fértil e verde Galileia existe um monte de menor altura de onde se contempla o mar generoso e rico de peixes.

A natureza ali é esfuziante, as flores desabrocham e há plantações nos aclives, pássaros que cantam, enquanto a vida se movimenta em beleza e exuberância.

Tudo fala de vida social pacífica, de amizade, de lutas e de esforços para a sobrevivência no dia a dia existencial.

O rio Jordão é o responsável por aquele abençoado mar, que as barcas atravessam de um lado para o outro entre as inúmeras cidades que o adornam como perolas num colar, em razão das suas praias arredondadas em diversas baías de pedras miúdas e escuras.

Nesse local, Jesus ensinou as mais valiosas lições da Sua doutrina.

As bem-aventuranças tornaram-se o hino internacional de beleza e de misericórdia, de vida exuberante e de esperança, de emoções sublimes e de venturas imarcescíveis.

O poema espraiou-se pelo mundo e tomou conta das mentes e dos corações dos simples em espírito, dos mansos e pacíficos, dos esfaimados e sedentos de paz e justiça, dos misericordiosos, dos perseguidos e de todos aqueles que não encontram lugar no mundo, anelando pela libertação através da plenitude.

Aquela região é abençoada pela beleza e pelo perfume de uma quase eterna primavera, com lembranças felizes e alegrias renováveis.

Jesus, ali, tornou-se o Alfa e o Ômega, atingindo o máximo de beleza que ainda paira no ambiente festivo.

*   *   *
Em Massada somente existem a guerra esfaimada, as ambições do louco poder, as extravagâncias de um rei megalomaníaco, temerário e temeroso, que passou à posteridade como símbolo de destruição e de dor.

O deserto ainda arde e o monte altivo, quase inalcançável, permanece como desafio e desencanto, como motivo de orgulho de uma raça e desilusão, porque o Livro Sagrado dos profetas condena tenazmente o suicídio e agora já não se anota o acontecimento como estoicismo, qual se fazia anteriormente...

No monte das bem-aventuranças o verde continua e a dúlcida melodia, que ali foi cantada, permanece engrandecendo as vidas que transitam em sua volta como símbolo de grandeza do amor.

Ali foram estabelecidas as bases éticas e morais da doutrina de Jesus, reprochando toda forma de crime, de adultério, de homicídio e avareza, os juramentos, mas, sobretudo, o amor ao próximo.

Há ternura e austeridade na voz do Poeta-Cantor.

A magia da sua ternura envolve e inspira felicidade.

Nunca mais se ouviu nada que se igualasse ao que ali foi apresentado.

Na sociedade terrestre existem pessoas que fazem recordar Massada, temida e detestada, dominadas pela força bruta e pela ambição desmedida.

Também existem pessoas que são semelhantes às paisagens do outro monte, o das venturas excelsas, da generosidade ímpar, da renúncia e da abnegação, do sacrifício da própria vida em favor do seu irmão.

Massada continua ardente quase sempre ou gelada nos dias frios do inverno.

O monte esperança permanece agasalhador e vital para o ser humano, ameno e gentil, evocando o amor.

Amélia Rodrigues
Psicografia de Divaldo Pereira Franco, na noite de
 28 de janeiro de 2014, em Jerusalém, Israel
1 Páscoa – nota da autora espiritual.                


Nenhum comentário: