Queridas irmãs,
queridos irmãos:
nossos votos cordiais
de muita paz.
Estive meditando a
respeito de um tema para conversarmos no encerramento da pauta deste dia,
conforme vimos fazendo nos últimos anos, e lembrei-me da vida agitada que todos
vivenciamos, dos desafios que enfrentamos, da correria contra o relógio, das
contrariedades mal absorvidas, das angústias não exteriorizadas, e ocorreu-me a
idéia de reflexionarmos juntos em torno de um assunto de muita importância,
qual seja a iluminação interior.
Normalmente nós, os
espíritas, estamos empenhados em levar a mensagem a todos aqueles que se nos
acercam, tanto quanto àqueloutros que estão à distância, que seriam os gentios,
conforme eram designados nos dias de Jesus em Israel.
As atividades
multiplicam-se, os problemas surgem e não nos lembramos de atender às
necessidades de nossa vida interior. Jamais tivemos na Terra dias de tantas
dificuldades emocionais, de tantos tormentos espirituais quanto atualmente,
isto porque estamos atravessando a etapa da grande transição, que ainda não
atingiu o seu clímax, mas que nos está levando a situações penosas, conflitivas
e angustiantes. Necessitamos – penso – de fazer uma pausa para reflexionarmos
em torno da nossa própria situação perante a Consciência Cósmica,
recordando-nos de uma indagação que fez o confessor fráter Leone a São Francisco,
quando ele estava capinando o jardim à porta do monastério:
Se você soubesse, meu
Pai, que iria morrer hoje, o que faria?
Ele respondeu,
suavemente:
Continuaria capinando o
meu jardim.
Essa reflexão tem me
chegado à mente todos os dias e, numa autoanálise, procuro observar como
estaria, caso a pergunta me houvesse sido feita, se continuaria tranquilamente
fazendo aquilo que estava realizando, e surpreendo-me ao constatar quanto ainda
necessitaria fazer, a fim de poder viajar em paz.
Assim pensando, anotei
algumas reflexões mentais, iniciando-as por uma história da autoria de
Rabindranath Tagore, o poeta indiano, Prêmio Nobel de Literatura, que deixou
mais de mil poemas, tido pelos que o leem como insuperável em razão da beleza
com que vestia as suas mensagens...
Narrarei a história de
Tagore com a minha própria emoção, o que não será certamente uma cópia fiel
daquilo que escreveu.
Tratava-se de um
místico muito famoso no sul da Índia, de nome Upagupta. Upagupta tornou-se uma
verdadeira lenda pelo ser que era e pela mensagem de que se fazia portador.
Certo dia, chegando a uma cidade muito populosa, em plena primavera, deteve-se,
à porta de entrada da muralha que a circundava, para melhor aspirar o perfume
das flores e, fascinado pela sombra generosa de um velho carvalho, optou por
repousar sobre a grama, e adormeceu. Estava, portanto, nesse estado de
tranquilidade e inconsciência, quando percebeu algo, e abriu os olhos. Teve uma
visão quase mirífica. Ali estava uma jovem de beleza ímpar, que lhe sorria de
maneira encantadora. Percebendo-o desperto, ela falou-lhe:
Desejo convidar-te para
que venhas à minha casa. Eu sou vendedora de perfumes... Favoreço o encanto das
ilusões aos meus convidados. Resido perto daqui, num quase palácio, onde recebo
meus hóspedes. Hoje é o dia em que celebro o meu aniversário, permitindo-me a
gentileza de escolher o parceiro para as minhas alegrias. Já recusei um
sacerdote, um guerreiro, e, no entanto, elejo-te a ti. Tu virás?
Upagupta olhou-a,
deslumbrado, e respondeu-lhe muito suavemente:
Gostaria tanto de
ir!... mas hoje eu não posso...
A jovem, que não estava
acostumada a recusas, recuou um pouco, e o interrogou:
Por que não? A todos
que me buscam as carícias, eu cobro por alguns momentos de prazer uma verdadeira
fortuna, enquanto que a ti não pedirei nada. Existe algo em ti que me fascina!
Eu não saberia explicar-te. Por essa razão, volto a inquirir-te: Virás?
Naquele momento ela se
houvera afastado um pouco, e Upagupta sentando-se, olhou-a, fascinado pela sua
beleza terrena, respondendo-lhe algo melancólico:
Infelizmente, hoje, eu
não posso. Nada obstante, eu atenderei ao teu convite na primeira oportunidade,
quando irei ter contigo.
Ela sorriu, canhestra,
e lhe respondeu:
Por que hoje não podes?
Tu sabes que nós, as mulheres que vendemos prazeres, somos como as mariposas,
que são devoradas pela chama em torno da qual voluteiam. Eu não tenho amanhã.
Todas as minhas emoções e expectativas de gozos e alegrias são deste momento.
Vem! Deixa-me dizer-te que descubro o fascínio que há em ti: são os teus olhos!
Eles irradiam suave claridade que me envolve, e por isso, digo-te: Eu te amo.
Vem, por favor. Nunca disse a homem algum que o amava. A todos eu vendi
lascívia, mas a ti eu não cobrarei nada, repito, porque te amo!
Upagupta baixou os
olhos negros e, ao abri-los, respondeu-lhe enternecido:
Mas hoje eu não posso.
Um dia, que não está longe, eu atenderei ao teu convite.
A jovem mulher
levantou-se, estremunhada, blasfemando, e desapareceu por detrás da porta
imensa...
Dois anos depois, era
outono, quando Upagupta voltou àquela mesma cidade. Não mais havia as flores,
nem o carvalho venerando estava belo, mas quase despido. Aquela entrada, onde
antes medravam tantas flores miúdas e perfumadas, agora se transformara em depósito
de lixo da cidade... Animais em decomposição, monturo e dejetos, odores
pútridos, significando, talvez, o também outono da vida...
Ele recordou-se da
vendedora de ilusões, quando percebeu algo entre as latas de lixo. Atraído por
movimentos estranhos, observou um corpo deformado que se cobria de trapos e,
sem delongas, conseguiu alcançar-lhe com as mãos a cabeça que balançava sobre
os ombros, exsudando pus. Em contato com os dedos, os cabelos se liberaram. Ele
abaixou-se, enquanto tentava erguer o corpo ferido, e falou-lhe em tom
coloquial:
Eis-me aqui! Eu venho
agora atender ao teu convite.
Aquele corpo ferido
recuou, tentando fugir, enquanto uma voz atribulada, estrugiu, indagando:
O que queres de mim? Se
vieste comprar perfumes, não os tenho mais para vender e, se vieste por
compaixão, é tarde, foge! Porque se eles, os meus perseguidores, souberem que
estás comigo, também te perseguirão de forma inclemente. Deixa-me morrer em
paz!
Não posso! – respondeu
o missionário. Não há muito, me convidaste para o banquete na tua casa, e eu te
disse que iria depois...Eis-me aqui, pois que cheguei agora.
O ser infeliz recuou
ainda mais, a cabeça bamboleava sobre os ombros magros, que eram chagas vivas,
o rosto coberto por lepromas, os olhos como duas crateras transformadas em
depósito de pus, e todo o corpo ulcerado, era tudo o que restava da sofrida
mulher.
Ouvindo-o, ela
recordou-se e indagou-lhe, atormentada:
Por que demoraste
tanto? Eu te esperei durante esses dois anos que passaram, e tu não vieste! Agora
é tarde para nós dois. Vê-me: estou em decomposição embora viva, não sirvo para
nada. Foge, eu te peço. Eu te agradeço, porque vieste, mas agora foge...
Havendo-se reclinado
sobre ela, estendeu-lhe os braços fortes e musculosos, ergueu-a até ao tórax e
estreitou-a num terno abraço.
Ela tremia, febril. Com
uma das mãos, ele limpou-lhe os olhos ulcerados, enquanto a sofredora tentava
escondê-los, e então retrucou-lhe:
Eu te houvera prometido
que viria depois. E aqui estou.
Infelizmente, chegaste
tarde demais. Desde aquele dia, eu que não tinha alegria de viver e fingia,
depois que te conheci perdi também a falsa postura de prazer. Nunca mais fui a
mesma. Toda noite eu colocava no peitoril da janela do meu quarto uma lâmpada
acesa para que clareasse o teu caminho na expectativa de que virias, e não
chegaste nunca. Agora...
Agora – interrompeu-a,
generoso – aqui estou. Vem comigo, deixa-me levar-te nos meus braços.
E erguendo-a entre os
ventos frios outonais, ele adentrou-se pela porta da cidade. Recordando-se da
frase que ela dissera, balbuciou-lhe ao ouvido:
Não estranhes o meu
procedimento, mas eu também te amo. Agora eu descubro nos teus olhos uma
estranha claridade que me induz a amar-te. Se o teu corpo não serve mais para
nada, dorme, dá-me a tua alma, e eu a encaminharei ao Soberano Senhor da Vida.
A mulher, tremendo e
chorando, repousou no ombro de Upagupta, e liberando-se do corpo em
decomposição iluminou-se.
A tradição a respeito
da iluminação interior praticamente se inicia com Sidartha Gautama. Depois das
longas peripécias, quando ele se sentou à sombra de uma árvore bodhi defronte
de um rio e mergulhou no mundo íntimo interior para meditar, iluminou-se. Dias
mais tarde, um jovem discípulo, vendo-o meditando, comoveu-se e ficou
contemplando-o .Quando ele abriu os olhos, o jovem indagou-lhe:
Mestre, tu és Deus?
Não, não sou.
Então, tu és um anjo?
Não, também não sou.
Por que me perguntas?
Porque brilhas, mestre!
Por que brilhas?
Porque estou desperto,
consciente da verdade. Todo aquele que encontra a verdade adquire brilho
interior.
A iluminação faz parte
dos ensinamentos de Jesus, por exemplo, quando Ele propõe: Busca primeiro o
Reino de Deus e a Sua justiça, e tudo o mais te será acrescentado.
Buscar primeiro o Reino
de Deus e Sua justiça é o grande desafio que todos devemos enfrentar, qual
aconteceu com Paulo, que após fazê-lo e consegui-lo, declarou: Já não sou eu
que vivo, mas o Cristo que vive em mim.
A iluminação interior
recebeu, ao largo da História, inúmeras denominações como: Messias, Cristo, paz
interna, Paz de Deus que está além da compreensão, Consciência Cósmica, satori,
samadhi ou moksha, fana... Gurdjieff, o grande psicólogo russo, costumava dizer
que era uma autorrealização, a consciência objetiva, e Carl Gustav Jung
denominou-a como o estado numinoso, quando nos enriquecemos de luz.
O que é, porém, a
iluminação interior? Não se trata de um estado alterado de consciência, de
paranormalidade, nem de mediunidade, ou de outra qualquer faculdade
intelectiva. Trata-se de uma atividade de autoconscientização, é a revelação da
verdade do Ser (Deus, Ser Cósmico, Ente Supremo), também é a busca do
vir-a-ser... E, por isso mesmo, está ao alcance de todos os indivíduos, que não
devem postergar a sua conquista.
Dizia Lao-Tsé:
Quem conhece os outros
é um sábio, mas quem conhece a si mesmo é um iluminado.
Porque é muito fácil
conhecer os outros, mas, para se autoconhecer, é indispensável realizar essa
iluminação, que não passou desapercebida a Allan Kardec, conforme nos
recordamos, e que se encontra na questão 919 de O Livro dos Espíritos, quando
ele interrogou aos benfeitores da Humanidade:
Qual o meio prático
mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração
do mal?
Não se tratava de
qualquer meio prático, mas daquele mais eficaz. Como consequência, a resposta
foi incisiva:
Um sábio da antiguidade
já vo-lo disse: “Conhece-te a ti mesmo.”
E Santo Agostinho, que
deu a resposta, comentou, numa bela página de filosofia ética, que podemos
sintetizar:
Fazei como eu. Toda vez
quando buscava o leito para o repouso, procurava revisar os meus atos daquele
dia. Quando me dava conta dos erros, de imediato, no dia seguinte procurava
reabilitar-me. E, quando estava certo, procurava seguir adiante...
Tratava-se de um exame
de consciência. E por que exame de consciência? Allan Kardec, igualmente, teve
a preocupação com essa consciência, ao interrogar as mesmas Entidades, conforme
a questão 621 da citada obra – Onde está escrita a lei de Deus? – E recebeu
como resposta: Na consciência.
É a segunda resposta
mais sintética da filosofia espírita. A primeira é a resposta à questão de
número 625, quando ele perguntou: Qual o tipo mais perfeito que Deus tem
oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo? – Jesus – foi a resposta.
Desse modo, a
iluminação interior é uma conquista que não devemos postergar. Ainda mais,
porque os outros veem em nós o que não é habitual encontrar-se em outras
pessoas...Pelo fato de sermos espiritistas, buscando restaurar o Cristianismo
em nossas vidas, apresentamos um comportamento diferenciado daquele que caracteriza
o cidadão convencional do mundo, porque lutamos para superar as paixões
ignóbeis, capitaneadas pelo egoísmo, para a superação dos vícios, para a
eliminação da sombra. É necessário que enfrentemos a nossa sombra para poder
dilui-la, que realizemos esse eixo ego – self, para lograrmos, ainda, segundo
Jung, a individuação, isto é, tornarmo-nos ser integral e não um qualquer, como
aqueles que estão no mundo semeando os costumes infelizes, as perturbações...
Havendo encontrado Jesus, já pusemos a mão na charrua e não mais olhamos para
trás.
Como será possível
realizar essa iluminação interior? Existem vários métodos. Ela pode vir
suavemente, a pouco e pouco, mediante o trabalho incessante do bem, através da
oração, da meditação, da reflexão profunda, ou através de insight. De um
momento para outro ela irrompe e domina o nosso íntimo.Eu tenho uma experiência
muito curiosa e algo ridícula... Quando eu era criança, nordestino, e cantava o
hino à Bandeira Nacional, porque era obrigatório nas escolas fundamentais, no
trecho que diz a verdura sem par destas matas, eu muito me comovia. Eu era
apaixonado pelo Brasil por causa da verdura sem par destas matas, porque
verdura, no interior do Estado da Bahia, onde eu nasci e vivia, era alface,
couve, hortelã, pimentão etc. Eu reflexionava: Deus meu, como é possível matas
de repolho, coentro etc.? Para mim, era demais. Então cantava com entusiasmo e
orgulho, e, nesse momento, o peito parecia estourar, porque eu nascera em um
país de tal riqueza. Passaram-se os anos, e mesmo adulto continuei com a falsa
interpretação. Certo dia, andando, subitamente tive uma iluminação: Meu Deus!
Não é verdura, é verdura, são as matas verdes... Ah, que decepção! A minha
iluminação foi para baixo. Então, podemos experienciar muitas vezes a iluminação,
até mesmo em torno dos nossos equívocos.
Esse insight é o
despertar da consciência, que nos proporciona a percepção do que somos, mas
também do que poderemos lograr, deixando um pouco de lado a indumentária
fantasiosa da humildade que, às vezes, não passa de um verniz aparente. Quantos
indivíduos que se interrogam e concluem: Quem sou eu? Eu não sou nada, eu sou
um lixo!
Esse conceito
pessimista e depressivo nada tem a ver com humildade. Recordo-me de Jesus, o
ser mais humilde que esteve na Terra, e nunca se considerou lixo.
Após tal conclusão,
descobri-me como filho de Deus. E comecei a me sentir honrado em ser filho de
Deus, trabalhando para corresponder à gênese sublime.
Recentemente li um
livro escrito pelo Dr. Dean Hamer, um grande estudioso da genética do
comportamento,. Que se intitula O Gene de Deus.
Depois da decodificação
do genoma humano, ele constatou, com a sua equipe de pesquisadores nessa área,
que o nosso DNA possui cerca de trinta e cinco mil genes – quando se pensava
que eram cem mil – e um desses genes, ele definiu como sendo o gene de Deus: o
VMAT2. O Dr. Hamer, com a sua equipe, pesquisou mais de dez mil gêmeos
idênticos e constatou que gêmeos nascidos nas Filipinas – um sendo mandado para
a Austrália, o outro para a Nova Zelândia, ou outro lugar qualquer –
acreditavam em Deus. As experiências foram longas e eles constataram que crer
em Deus é um fenômeno genético. Ter uma religião é um fenômeno sociológico.
Temos a religião dos nossos pais, da família, do meio social, da educação.
Jesus referiu-se a essa questão de forma interrogativa: Não está escrito que
vós sois deuses? Portanto, podeis fazer tudo que eu faço e muito mais, se
quiserdes. Então, é necessário que desenvolvamos esse Deus interno. Também o
Dr. Hamer diz que a nossa fé é natural, é espontânea, sendo científica, mesmo
quando fé natural. Aliás, Allan Kardec estabeleceu que Fé inabalável só o é a
que pode encarar frente e frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.
Reflexionemos: estamos
neste edifício, tranquilos e confiantes. Ninguém pediu a planta para ver se ele
tinha segurança. Sabemos todos que ele é seguro, sim, mas será? Essa é a fé
natural, mas é científica, porque, em nosso inconsciente, sabemos que esta
construção, quando foi projetada, engenheiros e arquitetos calcularam com
cuidado as estruturas, as colunas, os suporte, o teto, e depois mandaram à
Prefeitura para que o Departamento de Engenharia avaliasse o trabalho e o
liberasse, conforme ocorreu, sendo autorizada a sua construção, e depois, nova
revisão foi feita para ser concedido o habite-se. Então, no inconsciente
sabemos desses trâmites legais de segurança, dando origem à nossa fé natural.
Quando entramos num avião, não nos ocorre que o piloto esteja num surto
depressivo e queira suicidar-se naquele vôo. Em nosso inconsciente sabemos que
os pilotos de aeronaves a cada seis meses são submetidos a um rigoroso
check-up, que lhes avalia o estado geral de saúde. Igualmente sabemos que ele é
acompanhado por um copiloto e o avião possui um piloto automático. Mesmo que o
comandante esteja em crise, ele não poderá destruir o avião, porque o piloto
automático seria travado pelo copiloto que comandaria a aeronave.No caso em
pauta, a nossa é também uma fé científica. Mas, quando tomamos um táxi,
principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo, ou Salvador – ainda respeito
Brasília, apesar dos seus acidentes – nunca sabemos o que nos vai acontecer. Eu
estava no Rio de Janeiro onde proferi uma conferência no sábado à noite, e, às
dez horas da manhã de domingo, eu deveria proferir outra na Federação Espírita
do Estado de São Paulo. Fui ao aeroporto Santos Dumont, para alcançar o voo das
seis através da ponte aérea: são quarenta a quarenta e cinco minutos de voo.
Quando lá cheguei, o irmão tempo estava complicado, e o voo atrasou. Consegui
viajar somente às oito, e quando saltei em São Paulo eram quase nove horas.
Corri, alcançando um táxi e pedi ao condutor, após dar-lhe o endereço do Hotel
em que ficaria:
Por favor, corra,
porém, com toda a prudência.
Tratava-se de um nissei
que me olhou, e indagou:
É para correr, ou para
ir com prudência?
Eu esclareci: Corra com
prudência.
Ele deu uma especial
arrancada e me jogou para trás. Saímos em alta velocidade. Adiante havia um
semáforo vermelho: ele o passou. Assustei-me. No segundo vermelho, ele também
passou. Fiquei mais assustado. No terceiro, um sinal verde, ele parou.
Totalmente surpreendido, eu indaguei-lhe:
Mas, o que é isso? Você
passou dois semáforos vermelhos e no verde você para!
Ele olhou para trás e
respondeu-me com a sua lógica:
Sei lá, se não vem um
outro japonês louco que nem eu do outro lado!?
Eu então saltei, porque
a minha fé nem era científica nem natural, e tomei outro carro, por garantia.
A fé, portanto, é esse
instrumento que nos vai levar à autoiluminação. Dois grandes especialistas, o
Dr. Abraham Maslow – que criou a Psicologia Humanista – e o Dr. Robert
Cloninger, um dos pais da Iluminação interior na atualidade, estabeleceram que
podemos consegui-la através de três etapas: a primeira etapa, dizem eles, é o
autoesquecimento, e contam a história sublime de um sacerdote italiano de nome
Mateo Ricci que foi pregar na China, nos tempos heróicos de divulgação do
Cristianismo, e esse homem deixou todas as comodidades da Itália, aprendeu os
ideogramas – cinquenta mil – e adaptou-se de tal forma à vida chinesa, que
deixou de ser o estrangeiro, para bem divulgar Jesus, logrando o autoabandono
para poder servir.
A segunda etapa é a
busca do transcendente, a identificação transpessoal. Não esquecermos nunca de
que somos transcendentais. E eles citam Albert Schweitzer, o maior músico do
século dezenove e parte do século vinte, que também renunciou a tudo para ir
para a África Equatorial Francesa, a fim de ajudar as treze etnias em
Lambaréné, explicando que nós, da chamada civilização branca, temos uma dívida
para com a África, de quatrocentos anos de servidão. Não apenas de escravidão,
mas também de sífilis, de gripe, que são doenças que os brancos lhes
transmitiram.
E por fim, eles propõem
o misticismo, no sentido profundo da palavra, que é a plena integração com o
espírito do Cristo, tentando manter esse espírito do Cristo numa constância
contínua dentro de nós. Então, ocorre, passo a passo, a nova iluminação.
Narrarei uma
experiência que tive há três dias em São Paulo. Eu me encontrava em Porto
Alegre e coloquei a carteira de identidade num bolso, e passei o casaco para um
amigo segurar, esquecendo-me completamente. Quando cheguei ao aeroporto e fui
apresentar a documentação, lembrei-me de que deixara a carteira no casaco, que
agora não estava mais comigo. Raramente saio com a carteira, pois que quase
nunca a uso, mas naquele dia, em Porto Alegre, não sei porquê, pensei: levarei
o documento, para qualquer necessidade, razão porque a pus no bolso do casaco.
Quando estava no aeroporto, e dei-me conta, expliquei à funcionária que, por
sua vez, demonstrou-me a necessidade de um documento com fotografia, de que eu
não dispunha naquele momento. Felizmente, eu estava com um amigo da Polícia
Federal do aeroporto, ele assumiu a responsabilidade, e eu viajei. Chegando a
São Paulo, fui a Jaboticabal e a Bebedouro proferir palestras em duas
instituições que completavam, respectivamente, cem anos. Sem a documentação,
fui à Delegacia de Polícia de Bebedouro, fiz uma notificação, o delegado, muito
gentil, deu-me um BO (Boletim de Ocorrência), que eu não sabia o que era. Todo
bonito, selado, eu fiquei tranquilo. Quando cheguei ao aeroporto em São Paulo e
fui proceder ao check-in, a funcionária da TAM solicitou-me o documento de
identificação, e como não o tinha, entreguei-lhe o documento da Polícia, que
ela informou não servir. A ANAC, segundo ela, não o considerava suficiente. Ela
o apresentou ao Órgão, que confirmou a sua não validade. A pessoa da ANAC
mandou chamar-me. A funcionária, para variar, estava de muito mau humor. (Não
sei porque alguns funcionários públicos vivem com tanto mau humor. Poderiam
largar o emprego e outros de bom humor os substituiriam.) Ela me olhou com tanto
mal-estar que eu me senti intrigado. Eu me controlei, e esclareci:
Eu tenho que viajar. Eu
estou com uma pessoa na UTI, em Salvador, morrendo, e vou visitá-la. Sou
cardíaco e tenho oitenta e um anos.
Ela me olhou e,
mal-humorada, redarguiu:
O senhor tem que
preencher estes dois formulários. Depois deverá ir à Delegacia de Polícia aqui
no aeroporto, apresente-os e, depois de serem assinados, traga-mos de volta.
Preocupado, informei-a
que iria perder o voo. A moça continuou rude e deu-me uma resposta grosseira.
Preenchi os documentos e comecei a orar. Entreguei-lhos, ela fez cópias e mos
entregou, mandando-me autenticá-los na Delegacia de Polícia. Atendi-a,
apressado. O delegado assinou-os e informou-me que não eram realmente
necessários, porque eu poderia ter assinado qualquer nome e ele não teria como
saber da sua legitimidade. Colocou um carimbo e devolveu-mos. Voltei, e
entreguei-os à funcionária, que os olhou e me informou:
Ele esqueceu de assinar
um outro.
Perguntei-lhe:
E tem mais um? Por que
a senhora não mo entregou?
Toda poderosa, ela
concluiu:
Tem sim, o que eu lhe
vou dar agora.
Então ela tomou de uma
outra página, mandou-me preencher e que retornasse à Delegacia. Eu voltei
correndo, agora já sem fôlego.
O que foi agora? –
perguntou-me o delegado, ao que respondi:
Ela mandou o senhor
assinar de novo.
O homem ficou colérico.
Procurei acalmá-lo e ele aquiesceu. Quando retornei, e entreguei-lhe, ela pos
um carimbo e determinou-me:
Agora vá ao check-in e
mostre tudo isso.
Eu prendi a respiração,
Agradeci-lhe e obtemperei:
Minha filha, eu podia
ser seu avô, por isso permito-me dar-lhe um conselho: Você ganha para servir -
e senti por ela uma onda de compaixão.
Trate melhor as
pessoas. Cada pessoa que sai daqui, com esse seu tratamento, sai vibrando
contra você. Você deve ser muito infeliz, ter muitos problemas e recebe essas
descargas de ódio sem necessidade. Eu lhe digo isso, porque eu sou acostumado a
aconselhar pessoas.
E você é quem? –
interrogou-me, desafiadora.
Respondi-lhe com
bondade – naquela hora já não me importava perder o voo – Eu sou espírita, sou
Divaldo Franco.
Não me diga! –
exclamou. Eu também sou espírita!
Concluí, dizendo-lhe:
Notei, sim, que você é
espírita... (Risos).
Seu Divaldo –
solicitou-me – eu posso abraçá-lo? O senhor me desculpe, mas eu estou muito
contrariada – e começou a justificar a má vontade e grosseria.
Ouvi-a, compadecido, e
saí reflexionando sobre o que seria a Doutrina Espírita para ela, além de um
rótulo, de um adorno. Ela deve ter uma vida muito difícil. Deve morar em
subúrbio, pegar várias conduções e vive estressada.
Em face de
acontecimentos dessa natureza, ocorreu-me a abordagem, mesmo que ligeiramente,
sobre a iluminação interior, a nossa melhora íntima. Não importa que os outros
saibam, mas que estejamos serenos, felizes.
Concluirei, narrando
uma história que li na Internet e me sensibilizou muito. Tratava-se de um grupo
de amigos de uma indústria metalúrgica (também irei contar à minha maneira, sem
a fidelidade absoluta ao texto). Um deles apresentava-se como sendo um homem
austero, introvertido. Parecia encontrar-se sempre de mau humor, embora fosse
gentil. Trabalhava ali há cinco anos com os outros diretores e, nesse período,
nunca proferira cinquenta palavras... À hora do lanche, quando todos se
reuniam, ele se afastava, permanecendo a sós. Um deles, Mauro, muito
brincalhão, zombava do colega provocando humor. Ele se chamava Ernani, e o
Mauro fazia-lhe piadas, provocando o riso em todos.
Mauro era, aliás, o
palhaço da corte, no bom sentido. Certo dia, na época da desova dos salmões,
Mauro anunciou:
Eu irei pescar neste
fim de semana e, se conseguir êxito, na segunda-feira, trarei boa parte para os
amigos. Ao grupo, em particular, esclareceu que iria pregar uma peça no Ernani,
colocando para ele as vísceras, as cabeças dos peixes e os rabos para, quando
abrisse o embrulho, todos caírem na gargalhada. Na segunda-feira, quando
retornou ao trabalho, Mauro trouxe oito embrulhos, o de Ernani era um pouco
maior. Pediu a todos que fizessem um semicírculo, convidou Ernani, que veio,
assentou-se, e ele foi entregando os presentes, elegendo o maior para aquele
amigo. Surpreso, Ernani olhou o volume a manteve-se silencioso. Cada qual foi
abrindo o seu pacote e, à medida que o fazia, sorria e agradecia. Eram filés de
salmão. Ernani começou a desatar o seu embrulho e todos notaram que o homem
estava emocionado. O pomo de Adão movia-se e os olhos tinham lágrimas. Ele
prendeu a respiração e esclareceu:
Eu sei que vocês me têm
em péssima consideração. E eu faço jus a isso. Quando, por exemplo, eu vou
lanchar distante de vocês não é pelo motivo que pensam...Mas... [ele não
conseguia falar o eu queria] o que eu quero dizer, é que tenho um grande
problema: a minha mulher é tetraplégica, temos cinco filhinhos [e começou a
chorar]. Tudo quanto eu ganho é para atender a minha mulher a quem muito amo.
Eu tenho auxiliares vinte e quatro horas por dia para dela cuidar. Quando eu
chego, à noite, é para dar-lhe um pouco de carinho. Tenho que cozinhar para os
meus filhos. Deixo-os durante o dia, trancada a porta, e com a alimentação –
eles não frequentam a escola porque não posso pagar. Às vezes, eu me afasto
durante o lanche; é porque o meu é vergonhoso, eu trago os restos dos alimentos
de casa e não gostaria que ninguém os visse...
Os colegas tiveram um
impacto. Ele agora foi desatando o volume, e Mauro quis levantar-se para
impedi-lo de prosseguir, mas era tarde. O embrulho apresentou o seu conteúdo,
mas ele não olhou, e concluiu:
Hoje, por fim, meus
filhos irão comer salmão. Faz muitos anos – cinco anos - que eles não têm
alimentação digna. Mas hoje eles irão comer bem.
Só então ele olhou o
pacote aberto, teve um choque, pegou uma cauda de peixe, ergueu-a no ar, e
disse como todos o fizeram:
Muito obrigado!
Mauro olhou para os
colegas. Aquele homem estava crucificado! Como é que eles não viram!? Teve uma
iluminação. Levantou-se, pegou o próprio pacote e colocou-o no colo dele. Os
outros levantaram-se. Cada qual colocou o seu pacote sobre as suas pernas,
todos tocaram-lhe no ombro, e disseram-lhe:
Desculpe-nos!
Ele não disse nada. Na
noite seguinte os sete amigos foram visitá-lo e ali, diante da esposa com
escaras, eles assumiram o compromisso de cuidar da família. Recomendaram
médicos mais eficientes, enfermeiros mais hábeis, contrataram uma auxiliar de
cozinha, uma empregada para cuidar da casa, colocaram as cinco crianças na
escola, e responsabilizaram-se pelas despesas. Um mês depois a enferma
desencarnou sorrindo...
Já se passaram trinta
anos. Ernani Filho, que era o último filho, agora é o presidente da empresa.
Todos aposentaram-se. E, quando terminaram a educação dos filhos do amigo,
perguntaram-se: E agora? Façamos uma ONG para atender às pessoas tetraplégicas,
principalmente os seus filhos, que não têm a oportunidade de receber uma
correta educação.
A iluminação interior
acontece a qualquer hora, a qualquer instante. O venerável Chico Xavier, o
apóstolo da mediunidade, dizia:
Eu não sou nada, eu sou
apenas um cisco [por causa do nome Fran...cisco, tira o Fran, fica cisco]. Mas
eu sou o secretário dos Espíritos que por mim escrevem.
E autoiluminou-se.
Esbofeteado, não reagiu. Perseguido, sorriu com lágrimas. E quando alguém
escarrou-lhe na face, depois que lhe lera mensagem de um familiar, o
destinatário reagiu, ultrajado, gritando:
Mentira!
Rasgou-a, jogou-lhe os
pedaços na cara e cuspiu-o . Todos ficaram petrificados, enquanto o homem saiu
possesso. Chico ficou muito pálido, limpou o rosto e tentou continuar sorrindo.
No dia seguinte, sábado, como eu houvera presenciado a cena, à véspera,
perguntei-lhe:
E então Chico, o que
aconteceu?
Calmamente, ele
respondeu:
Ah! Meu filho, quando
eu cheguei em casa, às duas da madrugada, Emmanuel estava à porta e, vendo-me
muito triste, perguntou-me o que acontecera. Eu expliquei-lhe, e ele me
confortou da seguinte maneira: “Quero dizer-te que, da próxima vez que alguém
cuspir na tua face, olha para cima e dize: eu creio que está chovendo!”
Era, portanto, um
iluminado, porque bater na face de alguém que não reage, escarnecer de quem não
se pode defender, são atos de suprema covardia e que bem poucos suportam,
mantendo a coragem de agir mediante o perdão e a misericórdia para com o
agressor.
Que nós, os espíritas,
possamos adquirir essa luminosidade interior, desculpar sempre, entender, nem
digo perdoar, entender o mal e os maus que nos perseguem, a fim de que os
outros, quando nos vejam, possam perguntar: Por que você é diferente? Por que
você está nesse estado luminoso?
E nós, sorrindo,
respondamos:
Porque estamos
conscientes da verdade, apenas isto.
Mensagem de estímulo
espiritual do médium Divaldo Pereira Franco aos membros do Conselho Federativo
Nacional, na tarde do dia 8 de novembro de 2008, na Reunião Ordinária realizada
na Federação Espírita Brasileira, em Brasília-DF.
Em 14.05.2009.
Fonte: Divaldo Franco
www.divaldofranco.com.br
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