Charles M. Seldon
Fonte: Caminhos de Luz
Numa sexta feira de manhã o
reverendo Henrique Maxwell estava tentando completar o sermão para o culto da
manhã de domingo. Interrompido várias vezes, começou a ficar angustiado, pois o
tempo ia passando e ele não havia chegado a um final satisfatório. Sua esposa
ia sair para visitar um Jardim da Infância e ele ficou sozinho em casa. Logo
tudo voltou à calma. Acomodou-se à mesa com um suspiro de alívio e continuou a
escrever . O texto escolhido fora: "Porquanto para isto mesmo fostes
chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo
para seguirdes os seus passos".
Na primeira parte de sua
mensagem, realçava Maxwell a obra expiatória do Cristo, como um sacrifício
pessoal, chamando a atenção para o fato de o Salvador ter sofrido de várias
formas, tanto em vida como na morte. Passava então a considerar a Expiação como
exemplo, apresentando ilustrações de vida e dos ensinos de Jesus. Seu propósito
era mostrar como a fé em Cristo ajuda a salvar vidas, por causa do modelo de
caráter que Ele deixou para ser imitado. O pastor havia chegado ao terceiro e
último ponto do sermão - a necessidade de seguir o sacrifício e o exemplo de
Jesus.
Ele anotou - "Três passos, quais
são?" e se preparava para colocá-los em ordem lógica quando ouviu o toque
estridente da campainha. Sentado à mesa, Henrique Maxwell franziu a testa.
Permaneceu ali sem responder à campainha. Mas logo em seguida ela voltou a
tocar. Levantou-se então e foi até a janela. Um homem estava de pé nos degraus.
Era jovem e vestia roupas esfarrapadas.
"Parece um mendigo" pensou o pastor.
Desceu a escada e abriu a porta. Houve um momento de silêncio quando se olharam
frente a frente, mas o homem em andrajos tomou a iniciativa de falar:
"Estou desempregado, senhor
e pensei que talvez pudesse me indicar alguma coisa para fazer".
"Não conheço nenhum emprego
disponível. Está difícil encontrar trabalho" disse Maxwell, procurando
fechar a porta.
"Eu sabia disso, mas o
senhor talvez pudesse me recomendar à empresa ferroviária ou ao chefe das
oficinas da estrada de ferro, ou alguma outra coisa", prosseguiu o moço,
enquanto passava o surrado chapéu de uma mão para outra, demonstrando nervosismo.
"Penso que não adiantaria. Por favor,
queira me perdoar, estou muito atarefado esta manhã. Espero que encontre alguma
coisa. Lamento que não possa oferecer nada que possa fazer aqui".
O Reverendo Maxwell fechou a porta ouvindo os
passos do homem se afastando. Quando subia ao escritório viu pela janela que o
homem descia a rua vagarosamente, ainda com o chapéu entre as mãos. Havia algo
em sua figura tão abatida, desamparada e angustiada que o pastor ficou
hesitante por um momento ao olhar para ele à distância. Em seguida voltou ao
seu trabalho e, com um suspiro, retomou suas anotações. Não houve nenhuma outra
interrupção e duas horas depois, quando sua esposa voltou, o sermão estava
terminado. As páginas soltas foram reunidas e colocadas sobre a Bíblia. Estava
tudo pronto para o culto da manhã de domingo.
"Henrique, uma coisa
estranha aconteceu no Jardim da Infância" disse a esposa durante o jantar.
Logo depois das brincadeiras, quando as crianças estavam sentadas à mesa, a
porta se abriu e um homem jovem entrou segurando um chapéu sujo nas mãos. Ele
ficou sentado perto da porta e não disse uma única palavra. Ele apenas olhava
as crianças. Ficamos com um pouco de medo no começo, mas ele ficou lá sentado
quieto e depois de alguns minutos levantou-se e foi embora".
"Ele devia estar cansado e querendo
descansar em algum lugar. Acho que foi o mesmo homem que esteve aqui".
"Você terminou o sermão,
Henrique?" perguntou ela após breve silêncio.
"Sim, está tudo pronto. Foi uma semana
muito carregada para mim. Os dois sermões me custaram um trabalho penoso".
"Eles serão bem recebidos
por um grande público no domingo, é o que eu espero", acrescentou ele
sorrindo.
"Sobre o que você vai pregar
de manhã?"
" Seguir a Cristo". Vou iniciar pela
Expiação e salientar seu sacrifício e exemplo, mostrando a seguir os passos
necessários para imitar esse sacrifício e exemplo.
"Tenho certeza de que será um bom sermão.
Espero que não chova. Ultimamente tem chovido muito aos domingos".
"É verdade. A freqüência tem sido muito baixa.
O povo não gosta de sair de casa em dia de chuva". Ao dizer isso o
Reverendo suspirava. Lembrava-se de seu empenho e cuidado na preparação dos
sermões pensando nos numerosos ouvintes que deixavam de comparecer.
Mas a manhã daquele domingo
estava esplendorosa. O ar estava límpido e refrescante, a serenidade do céu não
dava sinais de qualquer alteração. Cada um dos membros da igreja se preparava
para participar do culto. Iniciado o serviço, o templo estava repleto de
pessoas bem vestidas e saudáveis, representando a melhor sociedade da cidade.
Esta Igreja ostentava a melhor
música que o dinheiro pode proporcionar e seu quarteto musical naquela manhã
era uma fonte de grande deleite para toda a congregação. Os hinos eram
inspiradores.
Raquel ostentava toda sua beleza
quando se levantou por trás do balcão de madeira nobre esculpido com os
símbolos da cruz e da coroa. Sua voz era ainda mais esplêndida do que o seu
rosto e isso causava um efeito extraordinário. Os cânticos de Raquel sempre
ajudavam o Reverendo. Eles geralmente procuravam combinar um hino apropriado
para o assunto do sermão.
As pessoas comentavam nunca ter
visto antes um cântico tão belo. Pareceu mesmo ao ministro que quando ela se
sentou, uma sensação como um ímpeto de aplaudir perpassou pelo auditório. Um
frio percorreu a espinha de Maxwell. Ao levantar-se, porém, e colocando seu
sermão sobre a Bíblia, imaginou que se havia enganado. Em poucos segundos ele
estava absorvido em seu sermão e tudo o mais foi esquecido graças ao prazer de
sua mensagem.
Henrique Maxwell era considerado um grande
orador, não especificamente pelo que ele dizia, mas pela forma como se
expressava. Os membros da Igreja gostavam do seu jeito. Isso dava ao pregador e
aos ouvintes uma agradável distinção.
A verdade é que o pastor gostava
de pregar. Ele ansiava estar em seu púlpito quando chegava o domingo. Eram
minutos deliciosos que desfrutava diante da igreja cheia, sentindo a presença
interessada de um seleto auditório. Mas ele se mostrava sensível ao tamanho da
audiência. Sua pregação diante de um grupo pequeno diminuía em conteúdo e
brilho. As próprias variações do tempo o afetavam de modo considerável.
Sentia-se no máximo da sua pujança diante de um auditório como aquele que ali
estava naquela manhã. Sua satisfação ia aumentando à medida que continuava.
Aquela igreja era a melhor da cidade. Sua congregação era composta de pessoas
importantes, representativas da riqueza, da melhor sociedade e da elevada
cultura da cidade.
Parecia estranho que o Reverendo
Maxwell pudesse pensar nessas coisas ao mesmo tempo que pregava, mas, quando se
aproximava do final do sermão, ele sabia que em algum ponto de sua mensagem
havia experimentado tais sensações. Elas penetraram no íntimo de sua mente;
pode ter acontecido em poucos segundos, mas ele estava cônscio de ter definido
sua posição e sua emoções tão bem como se tivesse tido um monólogo e sua
pregação compartilhou a satisfação de uma profunda satisfação pessoal.
O sermão era interessante,
recheado de frases admiráveis. Se o pastor estava satisfeito com as condições
de seu pastorado naquela manhã, a igreja também compartilhava esse mesmo
sentimento, contente de ter ao púlpito uma pessoa erudita, fina, de aparência
agradável, pregando com tanta animação e poder de persuação.
De repente, no meio daquela
perfeita consonância entre o pregador e a audiência, ocorreu uma interrupção
inteiramente fora do comum. Foi tão inesperada, tão contrária a quaisquer
pensamentos das pessoas presentes, que não houve espaço naquele momento para
qualquer iniciativa ou reação.
O sermão já tinha acabado. O
Reverendo tinha fechado a grande Bíblia sobre seus manuscritos e estava prestes
a sentar-se quando o coro tomava posição para entoar o hino de encerramento:
"Tudo,
ó Cristo, a Ti entrego;
Tudo,
sim, por Ti darei"
quando toda a congregação foi
surpreendida pela voz de um homem vinda do fundo do templo, ao que parece de um
banco sob a galeria. Em seguida, a figura de um homem surgiu da sombra e foi
caminhando até a metade do corredor. Antes que o auditório atônito entendesse o
que se passava, o homem foi até o espaço vazio diante do púlpito e voltou-se de
frente para o público.
"Estive pensando desde que
cheguei aqui" - foi ele falando -
"se seria apropriado dizer algumas palavras no final deste culto. Não
estou bêbado, não sou louco e sou incapaz de causar qualquer mal a qualquer
pessoa; mas, se eu vier a morrer, o que poderá acontecer nos próximos dias,
quero sentir a satisfação de ter falado num lugar como este e diante dessas
pessoas".
Maxwell não chegara a sentar-se .
Estava ainda de pé, apoiando-se no púlpito, olhando para o estranho. Era o
homem que tinha ido à sua casa na última sexta-feira. Estava com o surrado
chapéu girando entre as mãos. Não tinha feito a barba, seu cabelo estava todo
embaraçado e estava maltrapilho e abatido. Ninguém se lembrava de ter visto uma
cena como aquela dentro daquele templo. Estavam acostumados a encontrar pessoas
desse tipo nas ruas, nas proximidades das oficinas da estrada de ferro,
perambulando pela cidade, porém nunca imaginaram que tal incidente fosse
acontecer ali, dentro da igreja.
Não havia nada de ameaçador no
comportamento e jeito de falar do homem. Ele não estava excitado e falava em
voz baixa , mas compreensível. O Reverendo Henrique estava impassível, mudo e
lembrava-se ligeiramente de uma pessoa que vira em sonho caminhando e falando.
Nenhuma pessoa se mexeu, ninguém
fez qualquer gesto para interromper ou fazer calar o estranho. Ele continuou a
falar normalmente. O pastor permanecia imóvel. No coro, Raquel estava pálida e
chocada.
"Não sou um vagabundo comum,
muito embora não conheça qualquer ensino de Jesus que torne uma espécie de
vagabundo menos digna de salvação do que outra. Os senhores conhecem?" ele
fez a pergunta tão naturalmente como se todo o auditório fosse uma classe de evangelização.
Fez uma pausa, tossiu penosamente e continuou: "Perdi meu emprego há dez
meses. Minha profissão é tipógrafo. As novas máquinas linótipo são uma ótima
invenção, mas sei de seis tipógrafos que se suicidaram no período de um ano,
justamente por causa destas máquinas. É claro que não vou censurar os jornais
por comprarem essas máquinas. Mas, o que pode fazer um trabalhador? Nunca
aprendi outra coisa, isto é a única coisa que sei fazer. Andei por toda a parte
neste país tentando achar alguma coisa. E há muitos outros na mesma situação.
Não estou reclamando. Estou apenas relatando os acontecimentos. Mas o que
estava me intrigando quando me sentei lá atrás é saber se o que vocês chamam
seguir a Jesus é a mesma coisa que Ele ensinou. O que Ele quis dizer com estas
palavras - Sigam-me! - O ministro disse" e então se voltou para o púlpito,
"que é necessário que o discípulo de Jesus siga os passos dele, e disse
quais são esses passos: obediência, fé, amor e imitação". Porém não o ouvi
dizer o que significam esses passos. O que os cristãos entendem por
"seguir os passos de Jesus'?
"Andei por toda esta cidade
nos últimos três dias tentando arranjar um emprego; e durante todo esse tempo
não encontrei uma palavra de solidariedade ou conforto, exceto de seu pastor,
que disse estar pesaroso por minha situação e esperava que eu encontrasse um
emprego em algum lugar. Imagino que, por terem sido enganados por outros
mendigos profissionais, vocês perderam o interesse por qualquer tipo de
necessitado. Não estou querendo acusar ninguém, estou apenas narrando os fatos.
Reconheço que os senhores não podem deixar suas atividades para conseguir
emprego para uma pessoa como eu. Não estou pedindo nada, mas estou confuso a
respeito do significado de seguir a Jesus. O que vocês querem dizer quando
cantam - 'Onde quer que eu for, eu o seguirei'? Vocês acham que estão sofrendo
e negando a si mesmos, procurando salvar a humanidade perdida e sofredora,
exatamente como fez Jesus? O que vocês querem dizer com isso? Estou sempre vendo
o lado trágico das coisas. Estou sabendo que há mais de quinhentos homens nas
mesmas condições aqui na cidade. A maioria deles tem família. Minha mulher
morreu há quatro meses e eu estou contente por ela se livrar desse sofrimento.
Minha filhinha mora com a família de um impressor até que eu consiga um
emprego. Fico confuso quando vejo tantos cristãos vivendo com todo o conforto e
cantando - 'Por Jesus deixarei tudo' - e
fico lembrando como minha mulher morreu com falta de ar num quartinho apertado,
pedindo que Deus levasse também a nossa
filhinha. Não espero que vocês possam impedir que pessoas morram de fome, por
falta de alimento adequado e num lugar arejado, mas o que significa servir a
Jesus? Sei que muitas pessoas cristãs são proprietárias desses quartinhos
infectos. Um membro de igreja era o dono daquele em que minha mulher morreu, e
eu duvido que seguir a Jesus fosse verdadeiro em seu caso. Ouvi um grupo de
pessoas cantando numa reunião de oração na igreja uma dessas noites:
Tudo, ó Cristo, a Ti entrego;
Tudo, sim, por Ti darei'
e sentado do lado de fora, fiquei
pensando no sentido daquelas palavras e como aquelas pessoas as interpretavam.
Parece-me que muita desgraça deste mundo de algum modo acabaria se todas as
pessoas que cantam esses hinos vivessem de acordo com eles. Bem, não entendo
dessas coisas. Mas, o que faria Jesus? É
isso que vocês entendem por seguir os passos de Jesus? Observo, às vezes, que
as pessoas que vão às grandes igrejas tem roupas bonitas, belas casas e
dinheiro para gastar com luxo, enquanto que os que estão fora das igrejas,
milhares deles, morrem em cubículos sórdidos e andam pelas ruas à procura de
trabalho, vivendo na miséria, na embriaguez e no pecado".
O estranho de repente deu uns
passos trôpegos em direção à mesa da comunhão e se apoiou nela com uma das
mãos. Passou a outra mão sobre a fronte e, sem uma palavra ou gemido, caiu ao
chão em frente........
Capítulo I do livro: "Em
seus passos, que faria Jesus?" - Charles M. Seldon
Reblogado do website Caminhos de Luz
Link da mensagem: http://www.caminhosdeluz.org/37.htm
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