terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Clarissa Pinkola Estés: ESPERANÇA


Meus amigos, não percam a esperança. Fomos feitos para esses tempos. Ouvi tantos exporem seu espanto, profundo e legítimo. Estão preocupados com o estado das coisas no mundo. Vivemos tempos de espanto quase que diário e muitas vezes uma raiva justa pelas últimas degradaçōes daquilo que é mais prezado pelos povos civilizados e visionários.

Você está certo quanto as suas avaliações. O brilho e o excesso de confiança que alguns aspiraram ao apoiarem atos tão abomináveis contra crianças, idosos, pessoas simples, pobres, desvalidos, impotentes é de tirar o fôlego. Contudo, peço-lhes, instigo-lhes, gentis criaturas, a não ressecarem seu espírito ao reclamarem desses tempos difíceis. Principalmente, não percam a esperança. Em especial por que fomos feitos para esses tempos. Sim. Durante anos, aprendemos, praticamos, fomos treinados e estamos apenas aguardando para nos encontrarmos nesse plano de envolvimento.

Cresci nos Grandes Lagos e reconheço um barco em condições de navegar. Com relação às almas despertas, nunca houve barcos mais aptos nas águas do que agora, no mundo todo. E estão totalmente abastecidos e capazes de mandar sinais uns aos outros como nunca na história da humanidade.

Olhe pela proa; há milhões de barcos de almas justas nas águas com você. Embora seu casco possa tremer a cada onda desse mar agitado, asseguro-lhe que as compridas tábuas que compõem sua proa e leme vêm de uma floresta ainda mais vasta. Essa madeira dura sabidamente resiste a tempestades, intacta, e avança, apesar dos pesares.

Em tempos sombrios, há a tendência a cambar para o desânimo com relação ao que está errado ou irrecuperável no mundo. Não se atenha a isso. Também há a tendência a ficar enfraquecido ao fixar-se no que está fora do controle, ao que ainda não pode ser. Não se detenha aí. Trata-se de gastar vento sem levantar as velas.

Somos necessários, é tudo o que podemos saber. E embora encontremos resistência, acharemos mais almas grandiosas que nos saudarão, amarão e guiarão, e as reconheceremos quando aparecerem. Você não disse que acreditava? Não disse que se esforçou para ouvir uma voz maior? Não pediu uma graça? Esqueceu-se que estar em graça significa submeter-se a uma voz maior?

Nossa tarefa não é consertar o mundo inteiro de uma só vez, mas empenhar-se a reparar a parte do mundo ao nosso alcance. Qualquer coisa pequenina e calma que uma alma possa fazer para ajudar outra alma, para auxiliar alguma parte desse pobre mundo sofredor, ajudará bastante. Não nos cabe saber que ato ou quem fará a massa crítica pender para um bem duradouro.

O necessário para uma mudança drástica é um acúmulo de atos, somar, somar e somar mais, sem parar. Sabemos que não precisa que todo mundo traga justiça e paz, mas apenas um pequeno grupo determinado que não desistirá durante a primeira, a segunda ou a centésima tempestade.

Uma das ações mais tranquilizantes e poderosas que se pode fazer para intervir em um mundo tempestuoso é levantar-se e mostrar sua alma. A alma no convés brilha como ouro na escuridão. A luz da alma lança faíscas, pode mandar sinais de fogo, faz com que a matéria apropriada seja incendiada. Mostrar a lanterna da alma em épocas sombrias como a nossa - ser corajoso e demonstrar misericórdia ao próximo - ambos são atos de imensa bravura e da maior necessidade.

As almas combatentes pegam a luz das outras almas que estão totalmente acesas e dispostas a expor-se. Se quiser ajudar a acalmar o tumulto, essa é uma das coisas mais fortes que pode fazer.

Sempre haverá momentos em que se sentirá desanimado. Eu também já me desesperei muitas vezes na vida, mas não reservo um lugar para o desespero. Não serei sua anfitriã. Não deixo ele comer do meu prato.

Eis a razão: no âmago dos meus ossos, sei algo, assim como vocês. É que não pode haver desespero quando nos lembramos por que viemos para a Terra, a quem servimos, e quem nos enviou. As boas palavras que dizemos e as boas ações que fazemos não são nossas. São as palavras e ações d’Aquele que nos trouxe aqui. Nesse espírito, espero que escreva na parede: quando um grande barco se encontra no cais e amarrado, está seguro, sem dúvida. Mas não é para isso que foram feitas as grandes embarcações. ~

Clarissa Pinkola Estés,
03/09/2018
Tradução de Ana Gibson
Ilustração: Pamela Zagarenski

Fonte: A Arte de Reparar Histórias
https://www.facebook.com/Aartederepararhistorias/
Com Luz, Amor e gratidão 
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