Quando Ananda chegou ao antigo palácio, que servira
de residência aos marajás do Nepal, viu as suas torres semiarruinadas.
Há muito os príncipes do pequeno estado do Himalaia
haviam abandonado o palácio. No local onde estivera o brasão antigo, havia uma
placa de madeira, indicando o nome e a atividade de seus sucessores: missionárias
da caridade – assistência aos leprosos.
Ela não conseguiu ler a placa, pois não sabia ler
nem escrever. Era uma intocável, da casta dos párias.
Acostumara-se a tomar cuidado para não projetar sua
sombra sobre os pertencentes a outras castas, preservando-os da sua impureza.
Aprendera a não erguer os olhos para olhar as
pessoas. Ela não tinha esse direito.
Desde que fora expulsa de casa, ao ser descoberta
como portadora de lepra, aos treze anos, Ananda aprendera que as pessoas que se
oferecem para ajudar sempre querem algo em troca.
Foi, pois, com desconfiança que aceitou o universo
de amor que a bondosa irmã Bandona lhe oferecia.
Ela se acreditava amaldiçoada. Por ser pária. Por
ter contraído a lepra. Acreditava que não tinha o direito de ser amada.
O estigma de pária de Ananda permanecia indelével.
As missionárias podiam multiplicar à vontade suas provas de afeto e tratar sua
protegida como uma delas.
Ela se mantinha à distância e não havia um dia ou
um ato que não fosse pretexto para mágoa e lágrimas.
Mas, a bondosa missionária amava os leprosos.
Cuidava-os com extrema ternura, fazia o máximo por cada um.
Foram precisos vários meses para vencer a
desconfiança e a rebeldia de Ananda.
Certo dia, ela disse para si mesma: eu
também sou irmã de todos. Eu também tenho o direito de amar e ser amada por
todos.
Era o início de sua transformação.
Foi a primeira vitória do amor das religiosas. Mas
Ananda reprovava o tempo que irmã Bandona e suas companheiras ficavam na
capela.
Esse cantinho de recolhimento fora instalado num
aposento isolado, antes destinado ao harém dos marajás.
Ali havia uma mesa simples ornada por um círio.
Na parede a inscrição: o que fazeis aos
mais humildes dos meus é a mim que o fazeis.
Para que perder tempo, quando poderiam estar
atendendo mais leprosos? – reclamava Ananda.
Então irmã Bandona lhe explicou: mesmo que,
ao longo do dia cada um de nossos gestos seja um testemunho de amor dirigido a
Deus, também precisamos testemunhar o nosso amor, através das preces que lhe
dirigimos.
Uma noite, quando acabava de se ajoelhar na capela
para as preces habituais, a religiosa ouviu um roçar de pés sobre o piso de
mármore.
Voltou-se e viu Ananda. Fez sinal para que se
aproximasse. E, então, com voz clara, orou:
Senhor, eis-nos aqui. Nós estamos mortas de
cansaço, morremos de sono, estamos até os cabelos com os leprosos. Mas estamos
aqui para dizer simplesmente que o amamos.
O universo de caridade, que curara a lepra de
Ananda com tratamento enérgico com sulfonas, estava lhe curando a alma com a
lição do amor a Jesus.
E ela, sorrindo, pela primeira vez, disse: vim
agradecer ao teu bom Deus.
Redação do Momento Espírita,
com base nos caps. 6 e 10 do livro Muito além do
amor, de Dominique Lapierre, ed. Salamandra. Malena, 3.2.2011. reprise
sem regravação para dia 22.7.2020.
Luz, Amor e Gratidão
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